Strauss

“Quatro últimas canções”

por Adriano Brandão

Música clássica não é somente grandes sinfonias, colossais oratórios ou intrincados quartetos de cordas. As formas pequenas, mais líricas que épicas, também têm seu lugar. E um gênero muito associado à música popular está repleto de obras preciosas do repertório clássico: canções.

Vamos falar um pouco de terminologia? Você já deve ter ouvido falar em “lied” (e seu plural “lieder”). Tem gente que tem ojeriza ao termo “canção” e acha que a versão alemã “lied” é mais digna. Bobagem. Canção é canção. Se é de Schubert ou Cazuza não faz diferença. O termo alemão é genérico – então por que usá-lo como se fosse específico?

(Em francês até existe um termo mais específico para a canção não-popular: “mélodie”, em oposição a “chanson”. Em inglês inventaram a tal “artsong”, um termo artificial. Mas em português não há nada disso. Portanto, como falamos português, chame “O rei dos elfos” de canção, não de “lied”, e ficamos todos felizes.)

Exatamente como na música popular, a canção da música clássica é curtinha, tem forma simples e uma ligação extraordinária com a poesia. Em muitíssimos casos, é o poema quem dá as cartas, determinando absolutamente tudo. E por isso mesmo esse é um gênero complicado: se você não entende alemão ou francês ou russo, vai ter uma compreensão bem limitada das canções de Schumann, Fauré ou Mussorgsky, por exemplo.

Daí que relativamente poucas canções tornaram-se realmente populares. Algumas de Schubert, certo Mahler e, principalmente, as comoventes últimas criações de Richard Strauss, empacotadas como “Quatro últimas canções”, de 1948. Para soprano com acompanhamento orquestral, elas foram compostas poucos meses antes do falecimento do compositor e tratam justamente do tema da morte.

As quatro canções não foram pensadas como um ciclo. O que as liga? O tema da despedida, sem dúvida. O estilo também. Três delas usam poemas de Hermann Hesse, a outra um texto de Joseph von Eichendorff. Quando o editor de Strauss notou essas ligações e associou a temática à própria morte do compositor, não teve dúvida: mudou um pouquinho a ordem das canções e uniu todas em um ciclo. Ficou ótimo!

A primeira canção chama-se “Primavera” (sobre Hesse) e trata da despedida e da saudade. O tom geral é agridoce (apesar do início sombrio quando o texto fala da “cripta”), meio pastoral meio melancólico. A segunda canção, também sobre Hesse, é “Setembro”. Setembro é o fim do verão no hemisfério norte; a sensação das folhas caindo e do jardim verdejante que entra em decadência é quase visual. E quando a poesia menciona o último brilho de sol do verão, Strauss entra em “modo Puccini” por alguns segundos.

A terceira canção, “Indo dormir” (ainda Hesse), mantém a temática evidente do descanso eterno. É incrivelmente tocante em sua mistura de canção de ninar e despedida. O solo de violino é de cortar o coração – não, cortar não, fatiar em pedaços bem fininhos! Ô dó, ô dó!

O ciclo fecha com a canção que Strauss curiosamente compôs primeiro, “No pôr-do-sol”, sobre Eichendorff. O título já diz muito. Vou me abster de comentários, à exceção de um: a palavra-tema de todas as canções só é mencionada UMA VEZ no ciclo todo, e justamente é a ÚLTIMA coisa dita, suavemente: “morte”.

Nada há de mais comovente. E aí, está com o coração em dia? ;-)

[Óbvio que é obrigatório ler os poemas! Aqui, inclusive em português.]

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Post escrito por Adriano Brandão em 31/01/2013. Link permanente.