por Adriano Brandão
Segunda! Véspera de Natal! E dia de continuarmos nossa série do momento, “Vareia!”, que pretende mostrar um pouquinho das variações orquestrais ao longo da história. Já comentamos obras de Brahms e Dvorák. Hoje vamos para aquele que é, provavelmente, o conjunto de variações sinfônicas mais conhecido de todos: as Variações “Enigma” do compositor inglês Edward Elgar, de 1899.
A princípio um gênero bem cerebral, aos poucos as variações foram atingindo maior força expressiva, e as referências extra-musicais não tardaram a chegar. A primeira obra que eu me lembro de unir variações a uma forma programática foi “Istar”, de Vincent d’Indy, de 1896, que além de narrar a história de Éster, tem outra peculiaridade: o tema só é apresentado no final da peça. Outro conjunto importante de variações programáticas é “Don Quixote”, de Richard Strauss, de 1898 (que só não incluí nesta série porque é para violoncelo solo e orquestra…).
Elgar segue esta linha. Através da forma de variações, não segue uma narrativa, mas descreve amigos do compositor. Cada variante do tema principal é o retrato de alguém: tem aí a esposa de Elgar, uma aluna, seu editor e assim por diante. O conjunto termina retratando ele mesmo. São quatorze variações.
E o nome “Enigma”? Ah, sim! Tem dupla motivação. A primeira é que Elgar não especificou diretamente quem eram os amigos retratados. Cada variação recebe um título críptico, às vezes iniciais (como C.A.E., R.B.T., W.N.), às vezes apelidos (como Ysobel, Dorabella, Edu), outras vezes algo mais misterioso (como Nimrod e ***). O segundo enigma é mais duvidoso: diz-se que Elgar teria incluído um segundo tema oculto, base de toda a obra, que nunca foi descoberto.
A procura pelo “tema enigma” da obra virou esporte olímpico na Inglaterra. Já chutaram de tudo: “God save the queen”, a “Arte da fuga” de Bach, a Sinfonia “Praga” de Mozart etc etc. Como Elgar morreu em 1934 e não escreveu a solução em lugar nenhum, nunca iremos descobrir a resposta ao mistério. E, quer saber?, é uma grande bobagem!
A obra por si só é suficientemente linda, e alçou Elgar à fama internacional. É sua criação mais conhecida. O trecho mais famoso – ATENÇÃO, pegue os lenços – é a nona variação, dita “Nimrod”. Nimrod é o rei babilônico, lendário caçador, citado no Antigo Testamento. Elgar descreve aqui o editor Augustus Jaeger (“jäger” em alemão significa “caçador”), aproximando o tema original ao movimento lento da Sonata “Patética” de Beethoven. Elgar aqui consegue o feito de ser extremamente emotivo sem ser piegas – uau!
Outras obras são citadas. Uma, muito marcante, é a citação de “Mar calmo e viagem próspera” de Mendelssohn, na variação “***”, que descreve uma amiga que partia para Austrália. E, como já deu para notar, as variações abrangem uma gama muito grande de episódios. Tem partes que retratam buldogues caindo na água (“G.R.S.”), tempestades (“Troyte”), um cara que fala alto demais (“W.M.B”) e assim por diante.
As Variações “Enigma”, com esses pequenos dramas, são a obra musical pequeno-burguesa por excelência. Elgar, em geral, é a própria representação da era vitoriana em música. Mas se, em outras obras esbarra na vulgaridade, aqui Elgar apresenta um retrato bastante comovente de sua época e de seu meio. A fama da obra é justificadíssima; então clica aí ;-)
Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!Post escrito por Adriano Brandão em 24/12/2012. Link permanente.