Ligeti

Concerto para violino

por Adriano Brandão

E chegamos ao post de número 200 de nosso blog! Quando chegamos ao post 150, falei – por sugestão de vocês leitores – de uma grande obra contemporânea: o Concerto para violino de Thomas Adès, de 2005. Hoje reedito: o tema será outra obra-prima recente, o Concerto para violino do húngaro György Ligeti, de 1992.

Na semana passada falamos do concerto de Bartók. Este de Ligeti é um sucessor imediato, e igualmente bem-sucedido! O concerto de Ligeti é das obras mais empolgantes do século 20. Ligeti – que você provavelmente conhece de “Lux aeterna“, a peça coral usada em “2001”, filme de Stanley Kubrick – foi uma figura de proa da música do final dos 1900. Morreu em 2006 e soube unir uma pesquisa profunda de linguagem a uma relativa acessibilidade de expressão. Tal qual Lutoslawski, fez música moderna e original sem romper os laços com o passado (e com a audiência).

Este Concerto para violino é prova disso. Ligeti o estruturou em cinco movimentos, alternando partes rápidas e lentas – é mais ou menos a forma concêntrica bartokiana, mas ao contrário (com uma parte rápida no centro). Essa forma só foi alcançada após uma primeira versão com apenas três movimentos já ter sido estreada, na verdade – consta que Ligeti havia pensado originalmente em algo como oito (!) movimentos. Ficou nos cinco e a estrutura parece perfeitamente equilibrada.

O primeiro andamento é um prelúdio bastante curto que já introduz o ouvinte ao mundo extraterreno de texturas cambiantes típicas de Ligeti – é incrível, e ele desemboca sem interrupção na parte mais extraordinária do concerto, o segundo movimento, “Ária, hoquetus e coral”. Hoquetus é uma forma medieval de contraponto, na qual as vozes conduzem uma melodia, uma após a outra, em diversos registros, criando um efeito “soluçante” muito curioso. Ligeti aqui introduz um maravilhoso tema (“ária”), de sabor popular húngaro, e elabora variações (“hoquetus”). Em dois momentos o tema é assumido por quatro ocarinas, que soam deliciosamente desafinadas; a segunda intervenção das ocarinas acaba levando a uma reexposição da melodia (“coral”). Genial!

O coral de ocarinas não é a única brincadeira de Ligeti com instabilidade tonal. Há, na orquestra reduzida, um violino e uma viola com scordatura – ou seja, afinados diferentemente do normal. Como as cordas alteradas soam junto às cordas “normais”, o efeito resultante é uma distensão muito interessante. As flautas devem também dobrar flautas doces, em diferentes registros. A percussão é variada e numerosa. No final das contas, Ligeti exige não somente um solista virtuose, mas uma orquestra composta de instrumentistas realmente excepcionais.

O terceiro movimento retorna ao modo rápido-porém-breve da introdução. O quarto lida novamente com formas antigas de variação – é uma lenta passacaglia, quase uma versão sombria e noturna do segundo movimento. O finale brinca novamente com texturas, como o prelúdio, e nele Ligeti abre um grande espaço para o solista, que deve improvisar uma cadenza (como manda a tradição). Criar cadenzas em obras modernas é um desafio à parte. Saschko Gawriloff, o violinista ao qual o concerto foi dedicado, optou por usar trechos descartados do concerto como base de sua cadenza. Parece uma boa solução, e a transição entre o composto e o “improvisado” é perfeitamente suave para o ouvinte.

Não consegui pensar em uma obra mais adequada para o post 200: uma obra-prima do final do século 20, extremamente sofisticada mas ao mesmo tempo super acessível. De alguma maneira, o Concerto para violino de Ligeti representa muito dos meus ideais em várias coisas – até mesmo o jeitão desta Ilha :)

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 18/04/2014. Link permanente.