Liszt

Sonata em si menor

por Adriano Brandão

A primeira metade do século 19 foi um período pleno de revolução para a música. Logo de cara há Beethoven, que praticamente definiu o que seria o romantismo musical. Depois um monte de inovadores: Berlioz, Schumann, Wagner… cada implodindo à sua maneira as convenções.

Mas não tem jeito: para mim o maior dos revolucionários pós-Beethoven foi mesmo Franz Liszt, que a posteridade meio que insiste em ignorar. Esse cara inventou tanta coisa que é difícil de imaginar a música do século 19 sem ele. Música programática? Sim, Berlioz fez antes, mas Liszt consolidou o gênero. Cromatismo? Sim, Wagner o explorou intensamente, mas foi Liszt quem assentou esse terreno. Forma cíclica? Berlioz e mesmo Schubert e Schumann já haviam experimentado algo, mas sem as invenções de Liszt ela não teria se tornado o principal artifício formal do romantismo.

Aquela que é provavelmente a maior obra de Liszt é um exemplo muito claro de como ele conseguia capturar um modelo existente, levá-lo ao extremo e transformá-lo em molde para as gerações seguintes: a Sonata para piano em si menor. Sua descrição é algo familiar: uma obra para piano em quatro movimentos tocados sem interrupção, com uma base temática unificadora. Opa, não seria essa a Fantasia “Wanderer” de Schubert? ;-)

O lance é que Liszt pega o modelo schubertiano e faz miséria. Primeiro que o aspecto geral da Sonata em si menor é fascinantemente próximo de uma forma-sonata, o que leva a interpretações dúbias: seria uma sonata em um só grande movimento ou uma sonata em quatro movimentos ligados? Esse ilusionismo à la Escher nos deixa ainda mais perplexos quando percebemos que a Sonata em si menor tem um monte de temas recorrentes – uns cinco, mais ou menos – e eles formam um panorama extremamente variado.

Além disso, ao contrário da fantasia de Schubert, as fronteiras formais da sonata de Liszt são muito borradas, bem difíceis de serem vistas. Se não prestamos atenção, passamos de uma seção a outra e ficamos irremediavelmente perdidos: “onde estamos agora?” é a pergunta recorrente nesta obra :)

A sonata começa com uma introdução lenta bastante sombria, com um tema declaratório que se inicia apenas esboçado, delineado. Em seguida, esse motivo fica mais rápido e dramático e dá origem a uma seção lírica muito bonita. Não sem algum drama, a sonata se encaminha para um movimento lento, um scherzo em estilo fugado (vale lembrar que há também uma fuga na fantasia de Schubert, mas no finale) e à última seção, que resolve quase todas as tensões. Quase, porque a conclusão silenciosa, cheia de mistério, ainda deixa muita coisa no ar. Uau!

Some à maravilhosa engenharia lisztiana o incrível virtuosismo de execução e a beleza das melodias. O resultado, não por acaso, é uma obra DO GRANDE CARVALHO, das maiores do romantismo musical e sem nenhuma dúvida a mais importante sonata para piano desde Beethoven. Merece o SELO DE EXCELÊNCIA? Ô! E sobra! Então clica!

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Post escrito por Adriano Brandão em 30/01/2013. Link permanente.