Wagner

“O anel do nibelungo”, suíte

Preciso dizer algo: eu não gosto de ópera.

Não, eu gosto da voz humana, amo canto, não é esse o problema. Provavelmente o problema é o teatro. Ópera é drama, e se teatro já é um ambiente bastante artificial, ópera o é em dobro. Histórias em geral estapafúrdias, plot devices dos mais previsíveis e episódios desiguais costurados de maneira canhestra para permitir o livre fluxo dos exibicionismos vocais e das convenções do gênero: não, não consigo curtir tanto.

Ah, claro, tem muita música boa em ópera também! Penso imediatamente em Mozart, Handel, Monteverdi, Janácek… mas, acima de tudo, penso em Richard Wagner, o cara que conseguiu escapar do lodaçal que descrevi acima. Wagner, em parceria com seu ego gigantesco, criou do início ao fim obras em que controlava tudo: música, é óbvio, mas também o texto, direção teatral, cenografia, até a arquitetura dos teatros nos quais suas óperas devem ser encenadas.

Óperas, não: “dramas musicais”. Até o nome do gênero Wagner reformou. E o fez muito bem. Sua maior realização foi o ciclo “O anel do nibelungo”, composto de “três dramas musicais e um prelúdio”, como descreveu, a partir da mitologia nórdica. São quatro óperas – “O ouro do Reno”, “A valquíria”, “Siegfried” e “O crepúsculo dos deuses” – somando mais de 15 horas de encenação. Wagner imaginou as obras sendo apresentadas em uma noite mais três dias seguidos, e isso acontece desde 1876 a aproximadamente cada cinco anos no Festival de Bayreuth, na Alemanha.

(Aliás, quer comprar um ingresso? Fique na fila por uns sete anos mais ou menos…)

Um dia vou a Bayreuth :) Apesar da minha ojeriza a ópera, acho Wagner FODA demais. Suas obras são muito menos dependentes do esquemão teatral da época, parecendo mais orgânicas – isto é, na medida do possível. Os enredos ainda são um tanto enrolados, há uma boa dose de embromação, mas… quem se importa? A MÚSICA É INCRÍVEL!

O “Anel” levou o conceito lisztiano de tema cíclico ao teatro, introduzindo o chamado “leitmotiv” (motivo condutor). Leitmotiven são pequenas melodias que não só identificam personagens, ações, conceitos, mas que também se transformam continuamente, refletindo musicalmente as consequências do enredo. No “Anel” há centenas de motivos condutores que aparecem o tempo inteiro, dando incrível coesão a um ciclo tão longo.

A música é absurdamente maravilhosa, desde o prelúdio de “O ouro do Reno”, que descreve o fluir da água do rio, até as passagens épicas dos deuses do Valhalla, os idílios de casais como Siegmund+Sieglinde e Siegfried+Brünnhilde, as aventuras das guerreiras valquírias, o ambiente sombrio dos anões ferreiros, dragões, florestas… é mágico! A música parece tão inevitável, tão parte da cultura humana DESDE SEMPRE, que é impossível não se render completamente a ela.

O obstáculo do teatro fez essa música tão essencial ser adaptada inúmeras vezes para a sala de concertos. Perde-se muita coisa nessa transição? Sim, mas é bem legal. Leopold Stokowski, por exemplo, tornou célebres suas adaptações orquestrais do “Anel” – suas gravações são incríveis! -, picotando o ciclo monstruoso em pedacinhos isolados. Gerações e gerações de ouvintes conheceram a música de Wagner graças às seleções de Stokowski.

Em 1987 o regente americano Lorin Maazel, atendendo a um pedido da gravadora Telarc, criou o que chamou de “O ‘Anel’ sem palavras”, um arranjo condensando todo o “Anel” em um fluxo sinfônico contínuo de 75 minutos (a duração de um CD). Diferentemente de Stokowski, as diversas partes não são estanques, mas integradas de maneira mais ou menos suave, com material de transição composto por Maazel.

Funciona bem! É engraçado pular de uma ópera para outra tão rapidamente, mas, por mais desengonçado que isso possa parecer, a música resiste muito bem. Fica faltando muita coisa importante, mas… puxa vida, é bonito e emocionante mesmo assim!

Aproveitem! E, se gostarem, partam para as óperas originais. São fáceis? Não, mas a jornada do “Anel” vale a pena demais!

Beethoven

Concerto para violino

[Post orgulhosamente patrocinado pelo AMIGO INTERNAUTA. Cheers! \o/]

Sai que é sua… Beethoven?

Como resistir à força de Beethoven? Já é a terceira vez seguida que nosso querido Ludwig emplaca um VOCÊ DECIDE. Como reclamar disso? Beethoven é um campeão absoluto, total DO GRANDE CARVALHO, e a obra de hoje – seu Concerto para violino – dispensa apresentações.

Até 1806, concertos para violino (ou, de repente, todos os concertos, mas principalmente os para violino) eram obras mais leves, curtas, dedicadas quase exclusivamente à exibição dos dotes – uia – do solista. Podemos pensar nos concertos para violino de Mozart, que apesar de belíssimos, são obras de muito menor fôlego que, por exemplo, suas sinfonias.

Beethoven inaugurou aqui um novo gênero: o concerto monumental. E justo para violino! Não à toa a peça foi mal recebida em sua estreia. Dizem que foi considerado tão longo, estranho e difícil que o solista da primeira audição teve que consultar a partitura, tomar água, ir ao banheiro, consultar a Wikipedia e pedir ajuda aos universitários durante a execução (mentira! mas que ele teve que tocar lendo a partitura, teve).

O fato é que a obra só se consolidou no repertório após a morte de Beethoven, para nunca mais dele sair. É uma obra-prima impressionante. FATO RELEVANTE: o tema principal, que amarra toda a obra, é exposto pelos… tímpanos! Uau. Escute no vídeo abaixo e veja como o toque inicial do tímpano é a “batida do coração” básica de TODA a obra. E gera melodias tão bonitas! Como ousam dizer que Beethoven era mau melodista?

Enough talking! Fiquem com Joshua Bell, que toca e rege o concerto em concerto no Japão. (Ooops, não há regente! Trata-se da lendária Orpheus Chamber Orchestra, que ficou célebre por se virar sozinha.) A cadência que ele usa não é nem a de Joachim, nem a de Kreisler, clássicas, mas a que ele mesmo criou, bem interessante. Para ver a evolução: na época de Beethoven, o concerto era o horror dos solistas; hoje, violinistas o tocam, criam cadências, regem a orquestra e jogam malabares incendiários. Não, não é mentira :-P

Curta, curta! Bom fim-de-semana!

Poulenc

Concerto para dois pianos

Cansaço extremo ao final de um dia puxado. Quem nunca?

Já recomendei aqui Handel como um bálsamo universal. Há outros, porém :) Dvorák é um grande favorito nessas horas, mas um predileto insuspeito é mesmo Francis Poulenc.

Acho as obras de Poulenc, principalmente as concertantes, energéticos sensacionais. Descem macio e reanimam? Talvez! :-D

São espirituosas, divertidas, extremamente inventivas, cheias de referências engraçadas e, principalmente, descontraídas. OK, não são assim um poço de profundidade, mas quem quer sisudez e grande filosofia o tempo todo?

Abaixo, uma das peças mais famosas de Poulenc, o Concerto para dois pianos, de 1932. Ela reúne todas as características que citei. Gosto especialmente do movimento lento. Ele começa da maneira mais mozartiana possível, para em seguida passar para um modo clássico de Poulenc (por falta de outro nome chamo de “estilo cabaré francês”). No meio do movimento, o cabaré dá lugar novamente a Mozart – quase uma citação literal do Concerto no. 21, desfigurada imediatamente, abruptamente, no meio do tema. Sim, uma música duas caras. É estranho, é doido, É PRA LÁ DE LEGAL!

Escutem, escutem, e salvem o seu dia! \o/ O vídeo é incrivelmente especial: um dos pianistas é o próprio compositor, e o regente é o elegante e expressivo Georges Prêtre, ainda novinho. O som é bem bom, apesar da idade. Épico!

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Brahms

Sinfonia no. 4

Hoje estamos estreando uma seção nova nesta Ilha: A QUARTA DO GRANDE CARVALHO.

Explico :) Todas as obras que apresentamos aqui são sensacionais, é claro! Mas tem algumas que são AINDA MAIS incríveis e importantes, que todos os seres do universo devem conhecer. Assim como acontece com o GRANDE CARVALHO, sua magnitude e imponência as coloca acima de todas as outras árvores, digo, obras.

Por isso o governo cá da Ilha passou a expedir o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO, homenageando obras fundamentais da história da música todas as quartas-feiras.

É basicamente isso ;-)

E, obviamente, começo com o meu compositor favorito, Johannes Brahms. Nosso querido Barba compôs quatro sinfonias, todas impressionantes. Mas é a Quarta, de 1885, que conquistou um lugar especial no coração do público. Merecidíssimo!

Como já comentei antes, Brahms é o compositor que alia altíssima intensidade emocional a controle absoluto da forma. À distância, suas obras podem parecer secas, formalistas, quadradas. Mas não é nada disso. Sob essa arquitetura perfeita há o velho e bom romantismo oitocentista, fervilhente de emoções.

A Quarta Sinfonia resume isso com exatidão. A descrição: sinfonia nos quatro movimentos clássicos, formas compactas, tom geral outonal e um finale que é uma passacaglia sobre um tema de Bach. Sem escutar, imagina-se um exercício acadêmico. RÁ, ao contrário! Logo nos primeiros compassos, o tema inicial hesitante, instável, já entrega que estamos iniciando uma experiência muito especial. Esse tema vai-se transformando, tornando-se cada vez mais intenso e decidido, até fechar em tom épico.

Inesquecível, mas ainda tem muito mais! O segundo movimento é um andante arcaizante, uma espécie de marcha lenta de sabor meio modal, de cores muito interessantes. Maravilhoso. Segue-se o scherzo, que não tem esse nome nem tem a forma ternária característica, mas conserva o espírito mais leve e agitado.

(Olha só: é o único movimento “scherzante” das sinfonias de Brahms. Todas as outras optaram por andamentos moderados, em estilo “intermezzo”, para fazerem a ligação entre os movimentos lentos e os finales.)

AH, O FINALE! Se segura na poltrona, ô psit! Trata-se de uma imensa passacaglia sobre o tema do final da Cantata BWV. 150 de Bach. Brahms pega o motivo bachiano, coloca-o no baixo, e cria sobre ele 30 variações dos mais diversos tipos, concluindo com uma coda monumental.

Nem tenho mais o que falar. É tão incrível que me calo e passo a bola para Carlos Kleiber, no lendário vídeo abaixo (nos comentários). Kleiber era tão bom regente, e gravou tão pouco, que todos o registros que temos dele são tesouros preciosos. Pra mim é sem discussão: é de Kleiber a melhor Quarta de Brahms.

Obra e execução merecem nosso selo – são mesmo do GRANDE CARVALHO! \o/

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Franck

Sinfonia em ré menor

AHÁ! Mais um capítulo da nossa já mui célebre série das segundas-feiras, “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”. Fujam para as montanhas! /o\

Hoje, como prometido, daaah dah daaaaah… daaah dah daaaaah… :) Os entendedores já entenderam: vamos falar da Sinfonia em ré menor, do belga César Franck. Belga? Sim, mas não vale: Franck estudou, trabalhou e viveu praticamente toda a vida em Paris. Sua sinfonia continua francesa ;-)

A Sinfonia de Franck (que tradicionalmente é chamada de “Sinfonia em ré menor” apesar de ser a única do compositor. Go figure!) foi composta em 1888, no rastro do sucesso das sinfonias de Saint-Saëns e d’Indy. Estreou no ano seguinte. Franck morreria pouco tempo depois.

A sinfonia segue a cartilha da forma cíclica, mas com um twist. O tema básico é realmente o “daaah dah daaaah” tão parecido com o início de “Os prelúdios” de Liszt. Mas no segundo movimento surgem outros temas que se tornarão também relevantes. Aliás, esse andamento traz um monte de novidades. Ele não só carrega DENTRO de si uma espécie de scherzo central, como o faz soar SIMULTANEAMENTE com o andante: a recapitulação é lenta e rápida ao mesmo tempo. É muito engenhoso! O finale, claro, recapitula todos esses temas, reafirmando a supremacia do “daaah dah daaah”.

A obra foi alvo de super controvérsia no meio musical parisiense. A crítica concentrou-se, entre outros detalhes, no solo de corne inglês do (maravilhoso) movimento lento. Seria um instrumento indigno de uma sinfonia? Cáspita! Poderiam ter criticado várias outras coisas, como a orquestração ultra-hiper-mega-giga-pesada. Não, escolheram malhar o pobre corne inglês…

Alvo de críticas ou não, a Sinfonia de Franck provou-se incrivelmente influente, mais ainda que suas antecessoras. Gerou duas lindas sinfonias GÊMEAS e, ao contrário da obra de d’Indy, jamais saiu do repertório. É sim uma peça bonita e emocionante, parte importante da história da música, que todos devem conhecer.

[O video abaixo traz Leonard Bernstein e seus tempos bastante lentos, mas que conseguem fazer trechos de orquestração muito espessa soarem bonitos. Vale ver!]