por Adriano Brandão
E hoje chegamos ao último capítulo de nossa série “1828: o último ano de Franz Schubert”. Vamos comentar a Sonata para piano em si bemol maior, D. 960, obra composta pouco depois do Quinteto que ouvimos na semana passada. Schubert morreria logo em seguida.
Ah, claro! Preparem os lenços. Essa sonata é das obras mais tristes de todos os tempos. É de uma beleza tão profunda, e tão profundamente triste, que chega até a perturbar: é válido sentir prazer estético ao ouvir música assim TÃO melancólica? Seria uma espécie de sadomasoquismo? É esquisito. Mas deixemos para lá: a peça é tão maravilhosa que perdoamos nosso próprio pecadilho.
Schubert compôs, em seus últimos meses, três sonatas para piano que valeriam toda uma carreira. A penúltima, D. 959, pertence ao meu panteão particular, aquele restrito aos favoritos favoritos. O que é aquele finale? PUTZ. Mas é mesmo a última sonata que tornou-se o símbolo da produção pianística de Schubert e até de seu estilo maduro como um todo. Inegavelmente ela É a sonata schubertiana.
A sonata D. 960 começa com vários ARREPIOS. Um tema inacreditável, uma espécie de marcha-canção lenta, já dá o tom de melancolia resignada de toda a obra. Quando o tema cessa, um trilo esquisito surge, sombrio. E o motivo inicial volta a tocar, do zero, como se nada fora. Cacete, é de gelar os ossos! Surge um segundo tema, mais rítmico, e toda uma exposição, imensa, que é repetida. Após, um desenvolvimento de SUSPENDER RESPIRAÇÕES. Vamos a tons distantes, temas diferentes aparecem, o motivo principal ressurge… acontece de tudo, em pouquíssimo tempo. Termina e tudo começa de novo, lentamente melancólico, apesar dessa tensão recém acontecida. Pois que o movimento termina justamente com aquele trilo sombrio. É devastador.
Prepare o coração para o Andante sostenuto que vem a seguir. Uma melodia meio quebrada, mantida por um baixo aparentemente imóvel, que te carrega para lugares de incríveis invenções harmônicas e desolação total. É lindo até não poder mais, quase uma apoteose da depressão. Mas… QUE MÚSICA, amigos!… nos permitimos tal desolação, pois a seção central surge com um tema mais rápido à maneira de um hino – ao estilo do finale da D. 959 – e traz ares mais otimistas. Não se envergonhe: aqui pode chorar. Eu avisei…
Meia hora se passou, já nos emocionamos à beça e ainda estamos na metade da sonata. Surgem agora um scherzo bem rápido e leve, tipicamente schubertiano, que limpa muitas das nuvens do movimento lento; e o finale vigoroso, com seu início peculiar, em suspense, de caráter bem beethoveniano. Mas não é Beethoven – é Schubert, e ele se permite alguns devaneios. O chão volta abruptamente no final: a sonata termina rápida e furiosamente.
Mas a mente do ouvinte – essa danada – ainda está lá na primeira metade da obra, sofrendo e se assombrando com tamanha beleza. Como culpá-la?
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Post escrito por Adriano Brandão em 04/12/2012. Link permanente.