por Adriano Brandão
Já falamos aqui sobre a célebre série das “Bachianas brasileiras” de Villa-Lobos. Duas das “Bachianas” que comentamos são orquestrais: as de número 2 e 7. Hoje o papo é sobre a “Bachianas” que Villa compôs para piano solo, a de número 4. (Depois o próprio compositor orquestrou a peça… mas deixa isso pra lá! ;-))
Tenho cá comigo que esta Quarta “Bachianas” é tanto a mais próxima de Bach como a mais próxima do Brasil de toda a série. Explico!
Bach: o primeiro movimento é um maravilhoso prelúdio todo construído sobre o tema da “Oferenda musical”! É genial: Villa pega o tema bachiano (que, diz a lenda, lhe foi ditado pelo rei da Prússia) e o adapta, o transformando num lamento tristonho que é brasileiro até a raiz dos cabelos…
Brasil: … e por isso acabou sendo transformado novamente para gerar o “Samba em prelúdio“, de Baden Powell (o fundador do escotismo. não, mentira!), com letra de Vinícius de Moraes.
Bach: o segundo movimento é um coral, à maneira de um hino lento, exatamente como as harmonizações bachianas presentes no “Pequeno livro para órgão“, mas…
Brasil: … durante toda a peça uma araponga, pássaro comum no sertão, não pára de piar. Sim! Presta só atenção numa nota aguda, isolada, repetida constantemente. É o bicho, piando.
Bach: o terceiro movimento é uma ária, uma melodia acompanhada à maneira de uma canção, com o mesmo espírito das árias das suítes e partitas do mestre de Leipzig. Só que…
Brasil: … o tema desta vez veio de uma cantiga folclórica nordestina, “Ó, mana, deixa eu ir” (e daí quem seguiu Villa-Lobos no empréstimo foi Milton Nascimento).
Bach: a obra termina com uma dança. E que suíte barroca que não tem dança, um monte delas?
Brasil: a diferença é que esta “Bachianas brasileiras” termina com uma dança não da Alemanha ou da Escócia ou da França, mas do interior de São Paulo. É um tema folclórico que o próprio Villa já havia recolhido e registrado, chamado “Vamos, Maruca“.
Na versão para piano, as convergências entre as linguagens barroca e brasileira, entre Bach e Villa-Lobos, ficam mais evidentes. Sim, a orquestração é linda, engenhosa (o prelúdio em cordas divididas, a araponga no xilofone) e merecidamente famosa. Mas gosto particularmente da Quarta “Bachianas” ao piano – com toda a sua pureza original.
Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!Post escrito por Adriano Brandão em 25/02/2014. Link permanente.