por Adriano Brandão
Se você conhece alguma obra de Anton Bruckner, fatalmente será a Quarta Sinfonia, dita “Romântica”. E isso faz muito sentido. A Quarta é mesmo a mais acessível das sinfonias de Bruckner – seu subtexto de romance de cavalaria e sua atmosfera de floresta wagneriana fornecem um cenário para apoiar o ouvinte não-habituado.
Não só isso: a música é muito boa também! De fato, a Quarta, composta em 1874 (hmmm… falaremos mais de datas adiante), é a primeira sinfonia completamente madura do autor. Bruckner foi um compositor temporão – somente após seus quarenta anos começaram a sair de sua pena obras de maior personalidade. As três missas numeradas, as duas sinfonias conhecidas como 00 e 0 e as três primeiras sinfonias do cânone (1, 2 e 3) marcam esse período de transição. Por mais entusiasmantes que obras como a Terceira Missa e a Primeira Sinfonia sejam, difícil negar que teriam dificuldade de se estabelecer no repertório por si só. São as obras posteriores que marcam o Bruckner que conhecemos hoje.
Sua linguagem é uma releitura tremendamente original de três influências principais: a música de igreja, a Nona Sinfonia de Beethoven e o romantismo de Schubert e Wagner. Isso fica muito claro nesta Quarta. Vejamos. Wagner: cromatismo, a orquestra grandona e cheia de metais, a atmosfera meio medieval de óperas como “Tannhäuser” e “Lohengrin”. Beethoven: a forma sinfônica bastante expandida, com tema cíclico. Ah, sim! A abertura em suspense, com cara lenta mas já no tempo principal do movimento, como na Nona! Schubert: o molde melódico, a harmonia instável. Ouça o andante!
O primeiro movimento traz o início célebre, que muitos comentaristas (inclusive o próprio Bruckner) associam ao raiar do dia. É realmente lindo, os trêmolos das cordas acumulando tensão, os metais soando meio indecisamente, até a explosão definitiva do tema principal. FODA. É a fórmula bruckneriana por excelência! Tão clássica, aliás, que três dos movimentos da obra começam com esse modelo de suspense, efeito acumulativo e grande tutti; acho mesmo que é a marca distintiva da sinfonia.
O andamento lento é uma espécie de marcha fúnebre, de tom ao mesmo tempo nobre e elegíaco. Em seguida, um dos mais conhecidos scherzos do repertório, o “scherzo de caça” (e dá-lhe metais sobre trêmolos nas cordas!). O finale – que também começa com o crescendo que caracteriza a “Romântica” – é um mamute bem mais difícil de acompanhar, mas altamente compensador por sua densidade e audácia de escrita. (Quando estou inspirado, ou particularmente concentrado, é minha parte favorita da sinfonia.) O finalzinho é DE ARREPIAR!
Scherzo e finale da Quarta são o gancho ideal para falarmos do “Problema Bruckner”. Sim! Bruckner tinha um problema, que agora é nosso: era indeciso e tinha mania de revisar constantemente suas obras. Pois que ele voltou a esta Quarta em pelo menos duas ocasiões, depois que já estava pronta! O “scherzo de caça “, por exemplo, só surgiu na primeira das revisões, em 1878. (O scherzo original era totalmente diferente.) Dez anos depois, em 1888, Bruckner visitou novamente a sinfonia, mexendo um bocado no finale e retocando todo o resto. Ô insegurança!
(É nessa versão final de 1888 que costumamos ouvir a Quarta. Quer dizer: simplificando muito as coisas, é isso. Na verdade mesmo, Bruckner – e outros – mexeram na sinfonia várias vezes entre 1878 e 1888, e da combinação dessas alterações menores surgiram umas sete ou oito edições diferentes da obra! Existem gravações da Quarta original, de 1874, que são bastante divertidas por mostrarem como a obra nasceu, ainda meio sem polimento. Na minha opinião, os retoques posteriores melhoraram – e muito – a sinfonia. O mesmo fenômeno aconteceu na Oitava, cuja última versão é superior. Mas a Primeira e a Terceira originais são infinitamente mais interessantes que as versões revisadas.)
A posteridade fez jus à Quarta – é não somente a sinfonia de Bruckner mais executada e gravada, mas também das obras mais populares da segunda metade do século 19. Merece toda essa atenção? Sem dúvida! Os temas são lindos, a progressão, emocionante. TEM QUE OUVIR, então clica logo aí :)
Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!Post escrito por Adriano Brandão em 13/03/2014. Link permanente.