por Adriano Brandão
Vambora, vambora!
Hoje a minha cidade natal completa 459 anos. E, se a música de Heitor Villa-Lobos representa muito bem o Rio de Janeiro – orgânico, sinuoso, caótico, exuberante -, minha querida São Paulo tem em Camargo Guarnieri o seu perfeito retrato musical: arquitetural, geométrica, dinâmica, agressiva. Sortudo o Brasil, por ter ambas as cidades e, principalmente, os dois compositores!
Camargo Guarnieri não é exatamente paulistano: nasceu em Tietê, região de Itu, interior de São Paulo. Seu pai amava ópera e deu nome de compositores a seus filhos: Belline (sic), Rossine (sic novamente) e Mozart. Sim! Camargo Guarnieri, um dos maiores músicos que o Brasil já teve, foi batizado Mozart! Claro que é esquisito para um compositor profissional, de nível mundial, se chamar Mozart (alô, pais! não façam isso com seus filhos – eles serão adultos um dia!) e por isso Camargo Guarnieri, assim que pôde, aboliu definitivamente o uso de seu primeiro nome.
Logo cedo foi pra São Paulo desenvolver sua carreira, e de lá nunca mais saiu. Ficou intrinsecamente ligado à cidade. Muito próximo de Mário de Andrade, apropriou-se do discurso “antropofágico”. Sabe o quadro “Abapuru”, de Tarsila do Amaral, que une o imaginário indigenista às formas limpas e cores primárias da pintura moderna? Camargo Guarnieri, de maneira bem consciente, criou seu equivalente musical: todo o arcabouço neoclássico stravinskiano a serviço de melodias modais puxadas da música do sertão mineiro e nordestino.
Funciona maravilhosamente! Esse perfume modal é a assinatura de Camargo Guarnieri – aliado à forma perfeitamente estruturada e à instrumentação transparente, aguda, tornou sua obra a mistura perfeita entre a manifestação brasileira e a língua franca musical que se falava na época em todo mundo. (Acho mesmo que o neoclassicismo está para a música assim como o Estilo Internacional está para a arquitetura. Aliás, são duas manifestações exatamente contemporâneas. Seria então Camargo Guarnieri o Niemeyer das salas de concerto? Hehehe!)
Um exemplo fantástico do estilo de Camargo Guarnieri é seu Concerto para piano no. 1, de 1931. Ele começa logo de cara com um tema pentatônico (escuta lá, é uma melodia tipo “chinesa”), num ritmo sincopado. É um excelente cartão de visitas. A obra tem forte personalidade própria, mas é difícil deixar de reparar nas influências de Bartók, Ravel e até do concerto russo romântico (Rachmaninoff e passagens líricas cujo modalismo curiosamente faz lembrar Gershwin). No fulgurante finale, Camargo Guarnieri esboça uma aproximação com Villa-Lobos, nos ritmos e em alguns tiques melódicos. É de cair o teto da casa!
Parabéns, São Paulo! E um ótimo fim-de-semana para todos nós aqui da Ilha! \o/
Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!Post escrito por Adriano Brandão em 25/01/2013. Link permanente.