Copland

“Appalachian spring”

por Adriano Brandão

Interessante a história de certas linguagens e estilos musicais que tornam-se incrivelmente influentes e “escapam” rapidamente de seus autores. Espalham-se mundo afora, sem que o público tenha plena consciência de sua origem. Muitas vezes as pessoas pensam – “a música de tal lugar é mesmo assim”, “a música para acompanhar tal tipo de espetáculo é mesmo assado” – e nem desconfiam que aquele estilo na verdade é autoral, é invenção de alguém.

Quer um exemplo? Música de cinema. Suas origens estão em Richard Strauss, cujo estilo foi transplantado para Hollywood por autores como Korngold. Quer outro exemplo mais específico? O “som” da “Great America”, aquela visão épica dos Estados Unidos, hoje comumente espalhado em trilhas sonoras de filmes, vinhetas de televisão, campanhas políticas e todo tipo de anúncio de apelo patriótico e tradicional. Ele foi inventado, praticamente do zero, por Aaron Copland.

O mais interessante é que Copland nunca planejou isso! Militante de esquerda, judeu novaiorquino, homossexual, perseguido pelo macarthismo, aluno de Nadia Boulanger e muito próximo dos “Six” parisienses, Copland era tudo menos o estereótipo dos EUA branco, protestante, interiorano e conservador ao qual seu estilo ficou associado. Vai entender…

Provavelmente essa associação começou com o balé que compôs para a bailarina Martha Graham em 1944, “Appalachian spring” (“Primavera nos Apalaches”, embora “spring” também possa se referir a uma fonte de água; é dos poucos títulos de obras dos quais não consigo usar tradução). O briefing de Martha pedia algo ligado à vida cotidiana de um grupo de pioneiros americanos no século 19. A referência às Apalaches (uma cadeia de montanhas na costa leste dos EUA) só surgiu depois da música composta.

Copland instrumentou o balé para uma orquestra de câmara de 13 músicos. Depois que sua música fez imenso sucesso, o compositor criou uma suíte para orquestra sinfônica completa, que contém quase toda a música original. As duas instrumentações (camerística e orquestral) são usadas hoje em dia, tanto para a suíte como para o balé completo.

A música é incrivelmente familiar. Começa com uma longa visão do interior americano, muito atmosférica (no balé, serve como introdução aos personagens). Aos poucos surge um tema mais lírico, que servirá de “amarração” para a obra toda. Há trechos mais agitados, cheios de síncopes, que se alternam a outros bem estáticos. Em geral o estilo é muito próximo do neoclassicismo típico dos anos 40 – herança stravinskiana. Na versão original, a presença do piano como apoio rítmico é a prova do crime :)

A parte mais célebre, fora o início, é o conjunto de variações sobre uma tema shaker chamado “Simple gifts” (“Dons simples”), colocado próximo ao finalzinho do balé e destinado a representar o dia-a-dia do casal protagonista. A obra termina com uma espécie de meditação, num clima bem próximo ao começo (e recapitulando mais uma vez o tema base do balé).

Toda a “Americana” posta em música está em “Appalachian spring” – as harmonias bem abertas, quase imóveis, a instrumentação seca e transparente, os ritmos sincopados, o lirismo suave e, principalmente, a expressão direta, sem rodeios. Assista a um filme, sintonize a CNN, veja peças de campanhas eleitorais – Copland está todo lá.

BÔNUS: Copland como linguagem

Exemplo de anúncio eleitoral, de candidato (ultra) conservador:

Outro anúncio eleitoral, também conservador: Reagan.

E assim por diante. Trilhas sonoras de filmes:

Vinhetas de jornais:

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 08/01/2013. Link permanente.