Strauss

“Assim falou Zaratustra”

por Adriano Brandão

Já falamos de música para retratar um incidente político-policial, para contar uma história de sacrifício humano ritual, para narrar o dia-a-dia de um casal, para ilustrar um discurso presidencial e mesmo para recriar uma viagem lisérgica muito, muito ruim. Mas música para um tratado filosófico?

Difícil de imaginar, mas é o que Richard Strauss conseguiu em seu sensacional poema sinfônico de 1896, “Assim falou Zaratustra”, a partir do livro homônimo do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Claro que a criação de Nietzsche não é um tratado filosófico formal – é muito mais próximo de um romance, com diversas partes em verso. E há um enredo.

Confesso que não sou letrado em Nietzsche. Mas me parece que o seu Zaratustra não é exatamente o profeta persa, e me parece também que a historinha é muito solta – viagens aqui e acolá e pronto. O que interessa mesmo são os ditos de Zaratustra/Nietzsche, sua reflexão sobre moral e a evolução humana, dos macacos até o célebre “super-homem”, o cara mega hiper giga autossuficiente e amoral, mestre e senhor de si mesmo. Também me parece que Nietzsche, nesta obra, tece uma teia fascinante e complexa de simbolismos e referências, quase uma mitologia própria. OK.

E como isso se transforma em música? Bom, daí só poderia surgir algo meio caótico mesmo :) Strauss bolou um um fluxo quase contínuo de música de meia hora. A forma é muito livre. Seções com títulos dos capítulos nietzscheanos se encadeiam sem interrupção – “O convalescente”, “A canção do andarilho noturno”, “Da grande espera” etc. O que une tudo? O motivo de três notas que inicia a obra.

E tenho certeza que você já conhece esse motivo. Sabe “2001”? Pois é, não preciso dizer mais nada :) Pois que o uso que Kubrick fez da música no comecinho do filme é muito bom – o escuro, os astros se alinhando, o sol surgindo. O objetivo de Strauss era próximo: o nascer do sol em meio ao “caos primordial”. E a presença desse motivo em toda a obra reforça a sensação de marcha progressiva ao sobre-humano.

A obra de Strauss foi escrita para grande orquestra sinfônica, com órgão e tudo. A música é de tirar o fôlego do começo ao fim. Após muita barulheira e um grande clímax, a peça termina de maneira quieta, meio sem resolução. Parece que o livro de Nietzsche também é assim. A impressão que fica é marcante.

Talvez não seja a obra mais incensada de Strauss, talvez nem seja uma peça absolutamente perfeita. Mas é emocionante e sempre fui apaixonado por ela. Daí que penso que ela merece, sim, o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO. Concorda, discorda? Ouça mais uma vez e comente :)

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Post escrito por Adriano Brandão em 09/01/2013. Link permanente.