por Adriano Brandão
Hora de quebrar alguns mitos. Mito número 1: “Os planetas”, do inglês Gustav Holst, é uma obra menor, um mero showcase orquestral. Mito número 2: “Os planetas” trata do sistema solar sob os olhares da mitologia greco-romana. Mito número 3: “Os planetas” é uma obra incompleta, cadê a Terra, cadê Plutão?
Bom, de fato Plutão foi descoberto uns quinze anos depois de obra composta e estreada. Holst estava vivo e sequer cogitou emendar a suíte. Acho que ele foi esperto, porque de lá pra cá Plutão já deixou de ser considerado um planeta, e a obra ficou atual novamente ;-)
A Terra não está presente porque “Os planetas” não é uma suíte sobre astronomia, mas sobre ASTROLOGIA, com L, e a Terra não é um planeta astrológico. Sim! E não tem nenhum deus grego envolvido. Os subtítulos dos movimentos falam de “O portador da guerra”, “O portador da velhice” etc, mas sempre se referindo aos planetas em si e os efeitos que a eles são atribuídos na astrologia. Te peguei nessa, hein?
Holst era fascinado por astrologia. Acho que, logo de cara, percebeu o potencial que as diferentes caracterizações astrológicas tinham para uma abordagem sinfônica, com todos os tipos de música que uma sinfonia, ou uma suíte, exigem. E estruturou sua peça dessa maneira, desrespeitando a ordenação astronômica (e astrológica) dos planetas em busca de coerência musical.
A obra começa com Marte, não com Mercúrio, o que faz todo o sentido: um movimento enérgico, guerreiro, de ritmo marcante. Segue Vênus, não Júpiter, trazendo alívio com um movimento lento e delicado. Volta para Mercúrio, um scherzo leve, diáfano. E pula tudo direto para Júpiter, um movimento massudo, vigoroso, potente. É uma sinfonia!
Mas a suíte continua com Saturno, um segundo movimento lento, sóbrio e solene. Urano é um segundo scherzo, galhofeiro e grotesco. E, enfim, Netuno, um epílogo em que um coro feminino participa para dar encerramento misterioso à obra – depois dos planetas, o enigma do espaço sideral? O vácuo?
A ordem astronômica nesta segunda parte é respeitada, mas primariamente porque musicalmente faz muito sentido: o conjunto fica assim equilibrado, com Júpiter no meio e dois movimentos lentos, dois scherzos, introdução e epílogo orbitando (pun intended) ao redor. E isso reforça o óbvio que muitas vezes se esquece: “Os planetas” é, antes de tudo, uma obra musical perfeitamente realizada, que seria plenamente autossuficiente sem o apoio das descrições astrológicas. Vale lembrar que o nome original da suíte era bem abstrato, meio schoenbergiano até: “Sete peças para orquestra”. Pois é…
Se a linguagem nos lembra filme de George Lucas com música de John Williams, é porque a posteridade bebeu muito na fonte holstiana. A culpa é deles, não de Holst! Hoje nos parece semi-banal: as explosões e rasantes de “Marte”, a secura modal de “Saturno”, o desajeitado “Urano” foram copiados e VIRARAM clichês. Mas posso garantir: eram recursos incrivelmente frescos, excitantes e originais quando Holst os concebeu. E podem soar assim até hoje, se ouvirmos com os ouvidos certos.
Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!Post escrito por Adriano Brandão em 20/03/2014. Link permanente.