Mendelssohn

Quarteto de cordas no. 6

por Adriano Brandão

Felix Mendelssohn teve uma infância aparentemente perfeita: filho de um rico banqueiro de Berlim, era frequentado por artistas e intelectuais e teve a melhor das educações para fazer florescer seu gênio. Ele cresceu, foi imensamente bem-sucedido como intérprete e compositor. Tinha uma personalidade afável, feliz, e sua obra espelhava isso. Mas guardava uma angústia oculta: remorso pelo destino de sua irmã mais velha, Fanny.

Na infância, era Fanny a mais promissora dos Mendelssohn. Hoje parece ok, mas na primeira metade dos anos 1800 não era de bom tom que uma moça “de família” se tornasse profissional de algo, mesmo que esse algo fosse a música. Ainda mais se tivesse um irmão talentoso. O fato é que Abraham, o pai, e Felix trataram de sabotar a carreira de Fanny, que no final se casou como esperado e manteve a música apenas como hobby. Felix chegou mesmo a “roubar” composições de Fanny e publicá-las como se fossem suas! (De novo: se as coisas não são justas para as mulheres ainda em 2014, imagine em 1825.)

Quero crer que ninguém, no fundo, acredita em injustiças; Mendelssohn sabia o que estava fazendo, mas era pressionado pelo pai e pelas convenções sociais da época e se sentia mal. Fanny morreu subitamente em 1847, com pouco mais de 40 anos, e Mendelssohn sofreu demais com essa perda. Provavelmente, o acúmulo de culpa e remorso veio à tona. Passou meses recolhido, sem fazer nada.

Para retomar a vida após o choque, Mendelssohn foi para a Suíça e lá compôs o absurdamente incrível Quarteto de cordas no. 6, que não nos deixa mentir: ele estava MUITO, MUITO PUTO DA VIDA. Tudo aquilo que ele não transparecia ele deixou transbordar neste quarteto. É das obras mais esporrentas e angustiadas do século 19 – e talvez de todo o repertório de câmara! Justo Mendelssohn…!

O início é uma tempestade, e todo o agitado e austero primeiro movimento é belíssimo par do Quarteto “Serioso” de Beethoven. Aliás, nesta obra Mendelssohn mostra toda sua dívida com o mestre de Bonn: temas curtos e incisivos, dissonâncias, ritmos inusitados, objetividade e foco no desenvolvimento temático.

O movimento que lhe segue é ainda mais assombroso – um scherzo todo escuro, pessimista, tenso. Só encontramos certo alívio no andamento lento, de beleza mais melancólica que resignada. O finale retoma o clima do início, sem trazer real solução: ao que parece, o objetivo da obra era mais urrar do que curar.

O Quarteto no. 6 parece uma desopilação, um expurgo. Mendelssohn PRECISAVA por para fora. Criou uma obra-prima estonteante, total DO GRANDE CARVALHO…. e que ficou meio esquecida pela posteridade. Como assim? Muita obra menos interessante é ouvida por aí para podermos nos dar ao luxo de ignorarmos tal colosso. Então repare esta falha AGORA MESMO! É UMA ORDEM!

Gente, o vídeo abaixo é maravilhoso. TEM QUE ASSISTIR! Depois aproveite a versão disponibilizada no Concertmaster.

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Post escrito por Adriano Brandão em 21/03/2014. Link permanente.