Honegger

Sinfonia no. 3, “Sinfonia litúrgica”

por Adriano Brandão

Guerras são eventos terríveis, que afetam mais que o cotidiano de países – ficam marcados permanentemente na psiquê de gerações. E é através da arte que esse processo fica visível. Incontáveis obras literárias, visuais, cinematográficas, teatrais foram criadas tendo a guerra como assunto, direta ou indiretamente.

Na música não foi diferente. A minha “era de ouro musical”, a primeira metade do século 20, sofreu não somente com uma guerra de grandes proporções, mas DUAS. Duas gerações de compositores lidaram diretamente com esses conflitos. Ravel, por exemplo, dirigiu caminhão na Primeira Guerra. Vaughan Williams foi maqueiro – carregava soldados feridos. Berg serviu o exército austro-húngaro e sua experiência de caserna foi grande inspiração para “Wozzeck”.

Apesar de nacional de um país neutro no conflito, a Suíça, Arthur Honegger viveu intensamente a Segunda Guerra Mundial. Morava em Paris à época da ocupação nazista e fez parte da Resistência Francesa. Foi fortemente afetado pela situação e, pouco após o fim da guerra, compôs uma das obras mais emblemáticas do período: sua Terceira Sinfonia, dita “Sinfonia litúrgica”.

“Litúrgica”? Sim. Não, não é uma obra sacra, nem há partes vocais. Mas a ideia principal da missa de requiem domina toda a sinfonia – a busca da paz. Obedecendo ao padrão neoclássico dos anos 1940, Honegger estruturou a obra em três movimentos. Todos têm títulos latinos, extraídos do requiem: “Dies irae”, “De profundis clamavi” e “Dona nobis pacem”. O arco, do conflito à paz, é evidente.

Os movimentos externos são agitados e representam o mundo em guerra. O primeiro é das páginas mais agressivas e intensas de todo o repertório – é o próprio caos causado pela guerra. O segundo andamento tem clima completamente oposto: é introspectivo, meditativo. “De profundis clamavi” é uma oração, uma súplica por perdão e salvação.

O terceiro movimento funciona como uma interrupção da oração e uma volta ao mundo real: uma marcha grotesca, insistente, brutal, domina toda a orquestra até alcançar o terrível cataclisma – uma baita dissonância, diga-se de passagem! Esse clímax, porém, marca a mudança à qual a sinfonia ansiava: a “pacem” tão pedida enfim é alcançada. Ela é simbolizada por um tema que já havia aparecido, escondidinho, nos movimentos anteriores. A obra termina da maneira mais delicada e suave possível.

Creio mesmo que esta é a das viradas mais incríveis e emocionantes da história da sinfonia. Curiosamente, outra Terceira Sinfonia, composta dois anos antes, tem arquitetura bastante similar: a de Bohuslav Martinu. Papo para uma outra sexta-feira ;-)

Voltando a Honneger: TEM DE OUVIR. Sua Terceira é uma das grandes obras-primas sinfônicas do século 20; é repleta de música impactante e é profundamente emocionante do início ao fim.

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Post escrito por Adriano Brandão em 28/03/2014. Link permanente.