Liszt

“Mazeppa”

por Adriano Brandão

Já comentei aqui bastante sobre o gênero do poema sinfônico, sempre associado à figura pioneira de Franz Liszt. Ouvimos obras de Dvorák, Strauss, Sibelius, Franck, mas – curiosamente – nunca abordamos uma obra do próprio Liszt! Será que o legado se tornou mais relevante que o criador?

Olha, pode até ser. Liszt compôs treze poemas sinfônicos, num período de tempo entre 1848 e 1858 (com exceção do último, composto em 1882). Foi ele que inventou o nome “poema sinfônico” e o formato geral do gênero – obras em movimento único que seguem de maneira relativamente fiel uma história ou argumento.

(OK, tem gente que vai dizer que não é bem assim, que isso já existia, que antes de Liszt houve Beethoven, Berlioz e até mesmo Franck. Só que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa: foi Liszt quem conscientemente bolou a estrutura que se eternizou como poema sinfônico.)

Voltando: Liszt bolou o gênero e compôs um monte de obras nesse molde, mas as peças em si não entraram no repertório. Uia! O que aconteceu? Provavelmente nem todas delas têm a melhor música do mundo, admitamos. Porém, mais ainda, elas saíram de moda: os temas que Liszt escolhe e, mais ainda, a maneira que Liszt os aborda nos soam engraçadamente datados hoje em dia. É muito diferente da Sonata em si menor ou da Sinfonia “Fausto”, obras eternamente frescas. Acontece.

Na verdade, dois dos treze poemas sinfônicos de Liszt continuam sendo (pouco) tocados: o terceiro, “Os prelúdios”, e o sexto, “Mazeppa”, assunto de hoje. Esses permanecem bem escutáveis :) Os demais, hmmmmm…

Liszt compôs “Mazeppa” em 1851, e usou como base a história do revolucionário ucraniano Ivan Mazepa (que realmente existiu), que chegou a ele via Victor Hugo, inspirado em um poema de Byron. A história de Mazepa é relativamente simples: após seduzir uma nobre, ele é amarrado nu em cima de um cavalo selvagem, que sai galopando loucamente. Depois de muito sofrer, é libertado pelos cossacos, que acabam o tornando rei.

O tema, ultrarromântico, provavelmente fascinava Liszt. Já em 1837 havia escrito um estudo para piano sobre essa história. Esse estudo fazia parte de um grupo de peças que, revisadas em 1852, se tornariam os famosos “Estudos de execução transcendental”, talvez as mais intrincadas partituras pianísticas do século 19. O poema sinfônico de 1851 é uma versão bastante ampliada do estudo para piano – ambos compartilham os temas principais e a ambientação geral.

A obra começa com o galope do cavalo selvagem ao qual o pobre Mazepa está amarrado. Impossível resistir ao movimento e ao caráter épico do tema principal. A seção lenta que se segue retrata o estado do herói quando cai do cavalo – literalmente – e é socorrido pelos cossacos (trompetes). O final é festivo e grandioso, pois retrata a transformação de Mazepa em rei.

“Mazeppa” é uma obra divertida, representante digna de sua época e do esforço visionário de seu criador. Por pior fama que os poemas sinfônicos de Liszt tenham hoje, creio que “Mazeppa” mereça reabilitação. Dê uma chance a ele! :)

Abaixo, para efeito de comparação, o “Estudo de execução transcendental” no. 4, também “Mazeppa”. É interessante notar o quão menos detalhada é a narrativa, em detrimento do (assustador) virtuosismo instrumental:

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Post escrito por Adriano Brandão em 06/03/2013. Link permanente.