Mendelssohn

Sinfonia no. 3, “Escocesa”

por Adriano Brandão

Música pode expressar um monte de coisas. Se isso vem da força do hábito, de mera sugestão ou de alguma misteriosa associação cerebral intrínseca, não sabemos. Mas desde o seu surgimento a música é usada para evocar todo tipo de sentimento, sensação, emoção… e lugares. Sim – há um montão de obras de descrição geográfica! E esse é o tema de nossa nova série: “Tia Augusta na Ilha Quadrada”. Venham, amiguinhos! :)

A primeira das seis obras de turismo musical que vamos visitar (ops) é talvez a minha preferida de todas: a Sinfonia no. 3 de Mendelssohn, dita “Escocesa”, de 1842. (Aliás, Mendelssohn tem outra sinfonia turística, a Quarta, “Italiana”, que um dia comentaremos.) A numeração é confusa – na verdade esta é a última das cinco sinfonias mendelssohnianas, e certamente a mais madura delas. Mendelssohn é um sinfonista alemão clássico, de linha beethoveniana evidente. Da escola alemã, acho mesmo que a “Escocesa” é a mais interessante sinfonia antes de Brahms.

A inspiração para esta obra veio bastante antes, quando Mendelssohn foi à Grã-Bretanha e conheceu a Escócia. Ficou tão impressionado com o lugar que, durante uma visita às ilhas do oeste escocês, teve uma ideia musical imediata, que anotou num cartão postal enviado à sua irmã Fanny: era o tema inicial da Abertura “As Hébridas”. As sensações da visita à Escócia renderam ainda mais – Mendelssohn anotou diversos temas que lhe viam à cabeça enquanto conhecia ruínas, castelos, montanhas, e começou a planejar a sinfonia. Uns bons dez anos se passaram até a obra ficar pronta, mas valeu a pena!

A sinfonia começa com uma introdução lenta, de cunho muito épico – certamente o romantismo de Walter Scott e seu mundo de cavalaria influenciou Mendelssohn. Após esse intróito, um tema agitado, meio ansioso, muito mendelssohniano, que irá carregar todo o primeiro movimento, de tintas lendárias. É a Escócia dos romances medievalistas que aqui está presente.

O segundo movimento é talvez o mais famoso: um scherzo muito rápido, de cores folclóricas. Sabe o Mendelssohn feérico, da Abertura “Sonhos de uma noite de verão” ou do Octeto de cordas? Olha ele aqui novamente :) Nesse tipo de evocação ele era mestre consumado. Impossível não imaginar uma agitada festa popular neste trecho – seria uma festa em 1840 ou uma festa em 1240?

(Permitam-me um adendo: excelente uso da música de Mendelssohn faria Woody Allen, em seu “Sonhos eróticos de uma noite de verão“. Allen sempre soube inserir bem música clássica em seus filmes, aliás.)

O andamento lento é um noturno muito evocativo, quase uma canção sem palavras, de grande beleza. O finale retoma o espírito épico do primeiro movimento, mas é quase tão agitado quanto o scherzo, com diversas passagens bastante contrapontísticas. É em Beethoven em quem pensamos aqui. A surpresa está no finalzinho: a sinfonia tem um epílogo, um hino grandioso e solene que resgata de alguma maneira o clima do começo.

Esse desfecho me faz ter certeza: muito mais que a Escócia real, Mendelssohn nos faz visitar aqui uma Escócia lendária, a Escócia de Scott e Ossian. Nada poderia ser mais romântico!

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 07/04/2014. Link permanente.