Milhaud

“O boi no telhado”

por Adriano Brandão

Darius Milhaud viveu dois anos no Rio de Janeiro, entre 1917 e 1919. Foi secretário do embaixador francês no Brasil, o escritor Paul Claudel.

As impressões da vida carioca povoaram a mente fervilhante de Milhaud por algum tempo. Logo em seguida ao seu retorno à França, compôs uma peça que imaginava poder servir de acompanhamento para algum filme (mudo) de Charlie Chaplin. Mas acabou cruzando com Jean Cocteau, o multiartista mais influente da época, que fez Milhaud transformar a então “Fantasia cinematográfica” no balé “O boi no telhado”.

E o Brasil, o que tem com isso? Tudo! “O boi no telhado” – apesar do enredo de Cocteau situar a ação num bar americano, cenário quente graças à recentíssima Proibição – é na verdade um grandé rondó baseado na música popular que Milhaud ouviu no Rio. O próprio nome do balé vem de um “tango” que fez muito sucesso no carnaval carioca de 1918 ;-)

Só que o tal “tango” bovino não é o tema recorrente da peça. A melodia do rondó, ao que tudo indica, é do próprio Milhaud. Seguem-lhe cerca de 30 canções populares. Por exemplo: logo em seguida ao rondó é citado o curioso maxixe “São Paulo Futuro” – que ganha um acompanhamento bitonal com dissonâncias de arrepiar os cabelos!

(“O boi no telhado” é citado um pouco depois, mas acaba aí – sua importância para o balé de Milhaud está muito mais em emprestar o nome do que um tema.)

Entre as citações de Milhaud estão composições muito famosas, como o “Corta-Jaca” de Chiquinha Gonzaga, “Apanhei-te cavaquinho” de Ernesto Nazareth e o “Tango brasileiro” de Alexandre Levy. E isso é só o começo – tem citação que não acaba mais. (Lembra a “Bachianas brasileiras” no. 4, de Villa-Lobos, que citou o tema folclórico “Vamos, Maruca“? Taí aqui também!)

[Se você quiser um guia completo de tudo o que Milhaud enfiou em “O boi no telhado”, obrigatório dar uma olhada em “As crônicas bovinas“, site da americana Daniella Thompson.]

O engraçado é o tratamento que Milhaud dá aos temas brasileiros, invariavelmente em contrapontos inusitados, muitas vezes bitonais e dissonantes. As idas-e-vindas da música dão um efeito meio caleidoscópico à obra e acho mesmo que o enredo surrealista de Cocteau – com mafiosos, boxeadores, anões, policiais… – empalidece perto do que eu realmente imagino ao ouvir essa música: um imenso baile de carnaval, em que as coisas mais disparatadas acontecem simultaneamente.

Acho adequado à data :)

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 04/03/2014. Link permanente.