Tchaikovsky

“Souvenir de Florence”

por Adriano Brandão

Tchaikovsky, esse ultrarromântico, criador de trágicas e dramáticas sinfonias, óperas e balés, um mestre da intimista e formal música de câmara? Pois é. Por trás desse pathos romântico, estava escondido um certo formalismo e uma necessidade de equilíbrio. O autor da Sinfonia “Patética”, quase um bilhete de suicida posto em música, admirava a música do século 18 e tinha Mozart como ídolo e modelo. Go figure…!

Tchaikovsky compôs uma série de obras que representam seu lado mais clássico. As quatro suítes orquestrais são as mais evidentes – a última delas se chama inclusive “Mozartiana”. As célebres Variações sobre um tema rococó, para violoncelo e orquestra, também. E há a hiperbatida Serenata para cordas. Mas acho que a sua produção de câmara representa uma união bem legal entre a expressão romântica e a feição mais clássica do compositor. É muito mais interessante do que parece.

Da relativamente pequena produção de câmara tchaikovskiana, gosto particularmente do seu sexteto de cordas, dito “Souvenir de Florence” (em francês: “Lembranças de Florença”), de 1892. É revelador que uma peça de câmara, no modelo bem certinho de quatro movimentos, receba título e tenha uma origem tão oitocentista: uma viagem de “escapada” de verão para a Itália.

Vale lembrar que Tchaikovsky vivia uma espécie de pesadelo social na Rússia. Homossexual em uma sociedade repressora, fez de tudo para escapar dos olhares vigilantes. Chegou a fazer um casamento fajuto com uma fã psicótica, que só gerou imenso transtorno e infelicidade. Para extravasar seus desejos e necessidades, Tchaikovsky fugia. Viajava, principalmente para a quente Itália. Anônimo, livre, sem ninguém a vigiar, vivia LA VIDA LOCA.

Essa felicidade está bem evidente no início frenético da peça, a todo vapor, seguido por um lânguido tema, cheio do caráter do verão italiano. O segundo movimento é uma espécie de serenata. O terceiro é um scherzo um pouquinho mais sombrio, bem intrigante, enquanto o finale volta à efervescência do início, mas com um sabor meio eslavo que curiosamente foge completamente à Florença. E como o ouvinte pode tirar o grudento tema do finale da cabeça? Impossível!

O sexteto é tão expressivo e tem som tão cheio e “sinfônico” que foi rapidamente arranjado para orquestra de cordas. A obra é maravilhosamente rica e envolvente e merece ser muito mais conhecida. É de uma perfeição germânica? Não, mas é quente e viva e representa belamente uma faceta muito intrigante da vida e da obra desse compositor tão popular que é Tchaikovsky.

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Post escrito por Adriano Brandão em 08/02/2013. Link permanente.