Brahms

Quinteto para clarinete

por Adriano Brandão

Tem tantos aspectos incríveis pra mencionar sobre o maravilhoso Quinteto para clarinete de Brahms que eu nem sei por onde começar.

Tem a historinha de Brahms descobrindo tardiamente o clarinete: foi em 1890, depois de decidir se aposentar, que conheceu Richard Mühlfeld, clarinetista da orquestra de Meiningen. Encantou-se pelo instrumento e acabou abandonando a ideia de parar de compor. Mandou ver logo em quatro obras encantadoras para o clarinete, composta em um intervalo de quatro anos: um Trio para clarinete, violoncelo e piano, este Quinteto para clarinete e cordas, e duas Sonatas para clarinete e piano. Santo Mühlfeld!

Tem a historinha de Mozart. Sabe-se, Mozart também se apaixonou pelo clarinete no final da vida, e compôs duas grandes obras-primas para ele: um Concerto para clarinete e um Quinteto para clarinete e cordas. Brahms seguiu-lhe o exemplo, tanto na formação, tanto na forma do finale – um tema com cinco variações. Santo Mozart!

Tem a historinha da música cigana. Ainda adolescente, Brahms trabalhou como pianista acompanhador de um violinista húngaro amigo seu, Eduard Reményi. Foi Reményi que lhe mostrou a música cigana, e a experiência foi inesquecível. Há incontáveis traços dessa música tão particular em toda a obra de Brahms, mesmo as mais sérias e abstratas – e é impossível pensar no sublime movimento lento deste Quinteto para clarinete sem o tempero cigano. Santo Reményi!

Tem a historinha de Bad Ischl, a cidade em que Brahms, depois de certa idade, passava todos os verões. Solteiro, livre e feliz (“Livre mas feliz” era o seu motto pessoal), dedicava o tempo para andar na natureza, distribuir balas para as crianças, beber nos bares… e compor. Muito. Praticamente todas as obras da maturidade brahmsiana surgiram em Bad Ischl – inclusive as quatro para clarinete. Santa cidade!

Tem a historinha da forma cíclica. Brahms não era muito ligado a “ideia fixa”, temas recorrentes, formas de dupla-função, essa coisarada toda. Ele dava imenso valor à arquitetura, sim, mas de um jeito mais clássico. Há sim uma grande unidade em suas obras, conquistadas menos por esse modelo lisztiano de reaproveitamento temático e mais através do enriquecimento de motivos que surgem de células bem básicas. Temas explicitamente recorrentes são raros em sua produção – me lembro da Terceira Sinfonia, da Sonata para violino no. 1… e do Quinteto para clarinete, que termina com uma citação de CONGELAR O SANGUE do tema que abre a obra. Santa forma cíclica!

Tem a historinha do intermezzo. Brahms meio que aboliu o scherzo de estilo beethoveniano em suas obras. Nota lá: a maioria absoluta delas tem um intermezzo de andamento moderado. (Exceções: o Quinteto para piano, a Quarta Sinfonia.) A Terceira Sinfonia quase chega a ter dois movimentos lentos. Neste Quinteto para clarinete, Brahms faz de novo um intermezzo, bem tranquilo e ensolarado, que acaba se transformando em uma página bem rápida e empolgante, o grande alívio de um quinteto que é pura melancolia. Santo intermezzo!

E, por fim, tem a historinha do outono. Este Quinteto é de 1891. Brahms morreria em 1897. Não era velho, apesar da barbona. Mas as obras deste final de vida apresentam todas uma característica outonal irresistível: uma nostalgia agridoce, um sentimento de “boa vida bem vivida” misturado a uma certa melancoliazinha de fim de viage. O Quinteto para clarinete e cordas é talvez a obra outonal por excelência, a própria definição desse sentimento ao mesmo tempo tão difuso e tão preciso. Santo outono!

Será que faltou alguma coisa? Sim – faltou dizer que o Quinteto para clarinete e cordas de Brahms é DO GRANDE CARVALHO. Vai, vai lá, escuta logo e depois me diz se tem alguma outra historinha para eu contar :)

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Post escrito por Adriano Brandão em 02/04/2014. Link permanente.