Bruckner

“Te deum”

por Adriano Brandão

Música sacra não é somente missa. Só no cristianismo há diversos outros gêneros de música religiosa, e muitos textos à disposição dos compositores. Existem, por exemplo, as “paixões”, descrições do calvário de Cristo, baseadas no Novo Testamento. Há o salmos do Antigo Testamento. E cantatas e oratórios costumeiramente têm natureza de potpourri, criados a partir de trechos pegados aqui e ali ou mesmo com texto original de temática bíblica.

Além de tudo isso, ainda existem uma série de textos tradicionais latinos que com frequência são musicados: o “Stabat mater” – uma reflexão sobre a dor de Maria com a morte de Cristo -, “Ave Maria” – a oração – e o “Te deum” – uma prece de agradecimento. Um monte de “Te deums” foram compostos, desde o barroco Charpentier até o minimalista Pärt, passando por Handel, Haydn, Berlioz, Dvorák, Verdi e provavelmente o mais famoso de todos, o de Anton Bruckner, composto em 1884.

Por que o “Te deum” de Bruckner ficou tão célebre? Além de conter música de fazer o mais ateu dos homens botar fogo na roupa e sair correndo? :) Talvez seja o espírito da obra, realmente único. Por conta de seu caráter de ação de graças, muitos “Te deums” são bem festivos – alô, Dvorák, estou olhando para você! Já o de Bruckner é diferente: ele FERVILHA. É um agradecimento feito INTENSAMENTE, muito mais pessoal do que coletivo.

Digo e provo. Aperta o play lá embaixo e não vão demorar três segundos para você perceber que Bruckner faz a sua prece com um FERVOR incomum. Na dedicação da obra, uma dica desse clima: “em gratidão por ter superado toda a angústia que passei em Viena”. Ouvindo, é fácil de perceber: Bruckner deve ter sofrido horrores na cidade e, aliviado, agradece ao divino COM GOSTO.

A música é maravilhosa. O melhor e mais moderno Bruckner das sinfonias está todo ali. Aquela força, aquela harmonia entre o voluptuoso e o dissonante, as melodias inusitadas. As participações dos solistas são preciosas. O coro, massivo, é uma adição sensacional à orquestra bruckneriana.

Não à toa, Gustav Mahler era fã dessa obra. (Coisa rara: ele tinha Bruckner em alta estima. Chegou a escrever uma transcrição da Terceira Sinfonia para dois pianos e mandá-la para o mestre.) Depois da morte de Mahler, encontraram entre seus papéis uma partitura do “Te deum” de Bruckner. Na capa, a especificação “para coro, solistas vocais e orquestra, com órgão opcional” havia sido riscada. Em seu lugar foi escrita, a mão, uma nova instrumentação: “para anjos, abençoados pelos céus, corações puros e almas purificadas pelo fogo!”.

Até que a visão de Mahler era bem apropriada :)

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Post escrito por Adriano Brandão em 11/01/2013. Link permanente.