Schubert

Missa no. 6

por Adriano Brandão

1828!

O último ano de Franz Schubert, que nos presenteou com algumas das maiores obras-primas de todos os tempos, continua aqui na Ilha Quadrada.

Já conversamos sobre a Nona Sinfonia e sobre a Fantasia em fá menor para piano a quatro mãos. Para provar o quanto esse ano foi profícuo e variado, a obra de hoje será bastante diferente. Ouviremos a sua sexta missa, a Missa em mi bemol maior, D. 950, composta na primavera de 1828.

Missa de Schubert? Sim! Difícil associar o compositor, aquele gordito rebelde e festeiro, eternamente sifilítico, à música sacra. Pois que esta é a sua sexta missa! As quatro primeiras foram obras de juventude. A quinta é uma peça plenamente madura, de 1822. Apesar do temperamento de Schubert, não é muito difícil pensar em motivações para essas cinco missas. Dou duas: treino e a busca por uma posição oficial (emprego, pois).

Como já comentei outro dia, música sacra não é somente uma manifestação espiritual, mas também formal. A missa, como uma estrutura fechada, é excelente oportunidade para compositores testarem seus recursos e compararem-se aos demais. Por isso, à época, missas como exercícios de estudante e como base de concursos eram bastante comuns.

OK. Mas esta Missa em mi bemol, criada em uma época em que Schubert vivia um ápice de imaginação e liberdade criativa? Após peças tão revolucionárias como a Fantasia D. 940, por que uma missa assim certinha, com fugas e tudo mais? Tenho humildemente uma hipótese: a obra foi composta por necessidade de emulação. A morte de Beethoven, em 1827, inflamou a mente de Schubert. Beethoven era o maior compositor de Viena e Schubert se sentia esmagado. Esta Sexta Missa provavelmente foi uma resposta schubertiana à “Missa solene” em particular, e à obra de Beethoven em geral.

“Também mereço um lugar neste mundo”, teria dito Schubert no leito de morte, e creio que boa parte de sua produção foi mesmo derivada dessa necessidade de aprovação.

O fato é que a Sexta Missa é uma obra maravilhosa! Uma peça profundamente coral, com poucas passagens solistas, digna e linda companheira da Nona Sinfonia, com quem rivaliza em duração e grandiosidade. Quão schubertiana é essa missa? Bom, o “Kyrie” inicial é inequivocamente típico do compositor, e todo o longo trecho da crucificação dentro do “Credo” é dominado pela ambiguidade maior/menor tão cara a Schubert. Mas gosto de exemplificar o que é essa obra pelo curioso início do “Sanctus”: ao mesmo tempo inovador em sua instabilidade harmônica e convencional na fuga que logo se segue.

A bipolaridade entre o interiorizado estilo “Schubert tardio” e a forma exteriorizada da missa é justamente a tônica da obra. Seria a última e fascinante tentativa do autor de fazer uma música “para os outros”. Depois só faria música para si mesmo – e para nós, da posteridade. Sortudos somos.

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 19/11/2012. Link permanente.