Schumann

“Carnaval”

por Adriano Brandão

Que clichê! Hoje é terça-feira gorda e não tive nenhuma dúvida: vou falar sobre “Carnaval”, a obra-prima pianística de Schumann. Nunca ninguém fez isso antes… só que não! Chavão carnavalesco à parte, o fato é que sempre adorei essa peça e acho que toda oportunidade de mostrá-la é valiosa :)

Quando falamos de Mahler, comentei sua capacidade notável de criar um universo próprio. O jovem Schumann das obras para piano é igual. Todas as peças que compôs nessa época compartilham climas, referências, ambientações – é como se fossem movimentos de uma grande obra única.

Coincidência: a Primeira Sinfonia de Mahler recebeu o subtítulo de “Titã”, após o romance do escritor alemão Johann Paul Richter, aka Jean Paul. E justamente a maior influência literária de Schumann foi Jean Paul. Foi a partir de um livro de Jean Paul que Schumann compôs sua obra inaugural, “Papillons”, de 1831, que introduz o mundo schumanniano de mascarados, disfarces, enigmas e desencontros de quase todas as peças seguintes. O mundo do jovem Schumann é derivado do mundo de Jean Paul, que também influenciou o jovem Mahler. Há aí uma conexão.

“Carnaval” é de 1835 e leva adiante a ambientação de “Papillons”. Como o nome explicita, trata-se de um baile de máscaras. Schumann estruturou seu baile como uma espécie de tema-e-variações de forma muitíssimo livre, a partir de alguns fragmentos melódicos: o subtítulo é “Pequenas cenas sobre quatro notas”. As quatro notas a que Schumann se refere formam, na notação musical alemã, os acrônimos ASCH, AsCH e SCHA. Essas siglas podem significar um monte de coisas: o nome de Schumann, a cidade natal de sua então noiva (Asch), carnaval em alemão (Fasching) e assim por diante.

Esses motivos aparecem nesse baile de várias maneiras: como personagens da commedia dell’arte italiana (Pierrô, Arlequim, Pantaleão, Colombina), como os próprios pseudônimos de Schumann (Eusebius, Florestan), como eventos (um flerte, o reconhecimento entre os amantes, um passeio) e como retratos de amigos e conhecidos de Schumann: estão lá Chopin, Paganini, sua futura esposa Clara Wieck e sua então noiva, Ernestine von Fricken, além dos imaginários “Companheiros de Davi” (a confraria fantástica de Schumann), que lutam contra os “filisteus” na marcha final.

Como dá para notar, Schumann dá vazão aqui a uma imaginação fertilíssima. Essa enorme quantidade de conceitos é retratada em música a partir daquelas míseras quatro notinhas de base. O estilo é o típico schumanniano: melodias curtinhas, de desenho meio anguloso, harmonizadas de maneira muito original. Isso cria um clima meio “fora-do-mundo”, surreal, que acho que só será revisitado pelos expressionistas vienenses um século depois.

Há trechos rapidíssimos (“Paganini”), partes bem-humoradas (“Pantaleão”) e outras de expressiva sensibilidade (“Chiarina” e “Aveu”). No baile de Schumann acontece de tudo! E ele termina com uma parada imaginária contra a mesquinharia e o conservadorismo na arte (e também no mundo, por quê não?), simbolizada por um engraçado tema alemão, a “Dança do vovô”.

Por suas incontáveis inovações musicais e artísticas, por ser um retrato tão pungente das aspirações de sua época, e por ser um transbordamento de fantasia e imaginação, “Carnaval” merece o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO. E aqui na Ilha é assim: se merece, ganha DEZ! \o/

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Post escrito por Adriano Brandão em 12/02/2013. Link permanente.