Schumann

Sinfonia no. 3, “Renana”

por Adriano Brandão

E a Tia Augusta continua guiando vocês por vários lugares bacanas da Ilha Quadrada! A parada de hoje é a Alemanha – mais especificamente a Renânia, a fronteira noroeste do país, ao longo do Reno, um dos maiores rios da Europa.

Nosso querido Robert Schumann é nativo de outra região da Alemanha: a Saxônia, na fronteira leste, perto da Polônia e da República Tcheca. Nasceu em Zwickau mas fez toda a vida na vizinha Leizpig. Em 1844 mudou-se para Dresden, a maior cidade saxã, ali nas redondezas. Seis anos depois aceitou um cargo de regente em Düsseldorf, a segunda maior cidade da Renânia – e a numerosa família Schumann (cinco filhos!) teve de atravessar a Alemanha.

Schumann encantou-se logo de cara com o Reno. Emocionou-se por ter ali tão perto o “Vater Rhein”, o rio que era praticamente o pai romântico da nação alemã. Quando viajou para Colônia, um pouco mais ao sul, pôde assistir à cerimônia de posse de um cardeal na famosa catedral e teve uma verdadeira epifania. Poucos meses depois estava pronta sua última sinfonia, a Terceira – conhecida pelo óbvio apelido de “Renana”. As impressões da viagem, do rio e da Catedral de Colônia estavam todas lá, eternizadas.

(Peraí – se Schumann compôs quatro sinfonias e esta é a Terceira, como ela pode ser a última que compôs? A numeração confusa deve-se ao fato de que a segunda sinfonia composta foi engavetada e somente foi publicada dez anos mais tarde – depois das demais, portanto, e por isso recebeu o nome de Sinfonia no. 4.)

A “Renana” é uma obra isolada na produção sinfônica de Schumann. Como já vimos, ele compunha em “surtos”. Até se casar, em 1840, escreveu basicamente só para o piano. Nesse ano cismou com canções e compôs só isso. No ano seguinte resolveu aventurar-se no mundo sinfônico – criou sua Primeira e Quarta sinfonias, mais outras obras para orquestra. Em 1842 dedicou-se somente à música de câmara. E o ano de 1843 foi o da música coral-sinfônica. É curioso.

Portanto, Schumann havia ficado um certo tempo sem escrever sinfonias quando decidiu compôs a “Renana”. Natural que o estilo resultasse um tanto diferente – a estrutura é mais solta, a harmonia mais instável e a orquestração consegue ser ainda mais pesada e opaca. Na verdade, o Schumann sinfônico é um bocado controverso. O conservadorismo da linguagem chama a atenção, principalmente se compararmos com o Schumann pianístico. Mas acho que o principal problema é mesmo a orquestração.

A sinfonia tem, ao contrário das demais, cinco movimentos. O primeiro é o motor da obra – um estouro do começo ao fim. Tanta energia torna evidente a orquestração problemática de Schumann: uma massa pesadíssima, meio sem contraste, atacando essa música tão incrivelmente dinâmica. Os temas são lindíssimos, a força propulsora da música é notável, mas a instrumentação espessa torna a audição um bocado cansativa. (O uso dos tímpanos é particularmente estranho – ele é usado o tempo todo, como se fosse uma bateria…)

Depois do choque em 220 V, Schumann nos traz dois movimentos moderados, bem leves, muito bonitos. O segundo é quase visual: um scherzo em forma de tema-e-variações, no qual é impossível fugir da ideia de um passeio de barco (no Reno). O terceiro é uma espécie de canção, de caráter muito tranquilo, pastoral até. Note que nenhum deles é exatamente um movimento lento de sinfonia – é como se fossem dois intermezzi, na sequência.

O papel de andamento lento é assumido pelo quarto movimento – para mim, o centro emocional e, de longe, o trecho mais inspirado da sinfonia. É um andante solene que parece retratar a cerimônia que Schumann assistiu em Colônia. O coral inicial nos trombones marca o clima religioso do movimento. O tema, belíssimo, é desenvolvido contrapontisticamente e culmina em uma gloriosa e radiante fanfarra. O movimento, emocionante do início ao fim, termina suavemente. LONGO SUSPIRO.

Contraste: Schumann volta abruptamente à terra no finale, bem festivo e dançante – é a Renânia rústica, das festas populares, que ele quer evocar aqui. Mas, puxa, eu queria ficar na catedral. Estava tão lindo lá! Posso colocar o quarto movimento no PLAY FOREVER?

Essa é a Terceira de Schumann – um cativante passeio pelo Reno que, mesmo com alguns probleminhas, é tão profundamente genial quanto tudo o que Schumann compôs. E o que é esse quarto movimento? OH DEUS OH DEUS OH DEUS.

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 14/04/2014. Link permanente.