Adès

Concerto para violino, “Caminhos concêntricos”

por Adriano Brandão

Esta é a obra de número 150 de nosso blog – exatamente a metade de nossa jornada!

Antes de tudo, queria agradecer a todos pela honra da conversa nesses últimos meses: tem sido muito, muito legal! Pedi ontem a vocês que sugerissem uma pauta para este post. O feedback foi ótimo – prometo atender a todos os pedidos, que são muitíssimo interessantes, sem exceção!

Mas foi o pedido do Matheus Antônio da Silva que me sensibilizou mais: música clássica do século 21. Assunto pra lá de intrigante! Existe música clássica no século 21? Não é coisa de gente morta de peruca? Ora, claro que não! Música clássica não é uma época ou um estilo, mas um jeito de pensar. Imaginar que é algo do passado é como achar que não se escreve mais poesia, ou não se faz mais teatro – afinal de contas, Shakespeare é do século 16. Bullshit.

Já falamos um pouco sobre a dicotomia música clássica vs música popular, e isso tem muito a ver com a música do século 21. Tentarei explicar. Senta que lá vem história.

O que hoje chamamos de música clássica é descendente de uma linha histórica que remonta à música eclesiástica da Idade Média. Além do contexto religioso, o que a caracterizava fortemente era o fato de ser notada – a música folclórica era transmitida oralmente, totalmente dependente da poesia e da técnica instrumental. A música escrita, justamente por ser escrita, era difundida, influenciava e era influenciada, e evoluía.

Evoluía e se tornava mais complexa. Sem ilusões: a música escrita nunca foi popular, sempre foi restrita a um punhado de “entendedores” habituados. Até que no século 17 surgiu a ópera, que pegou a linguagem da música escrita e a associou ao teatro. Histórias apelativas, produções grandiosas, música bem acessível e de ligação óbvia com o “mundo real” – pronto, teatros cheios de gente ouvindo e gostando dessa música outrora tão esotérica. No século 19 a coisa explodiu. O povo assobiava na rua as árias de Rossini, Bellini e Donizetti que ouvia nas casas de ópera. Liszt, a pedidos, improvisava sobre esses temas operísticos para o deleite de sua entusiasmada assistência. Verdi era herói nacional e seu nome era pichado nos muros. A chegada de Puccini a Nova York foi anunciada em jornais e seu navio foi recebido por uma multidão.

Entrementes foram inventados a fotografia, o fonograma e a mistura de ambos, o cinema… e a ópera perdeu seu lugar. Os filmes eram mais baratos de se fazer, os ingressos eram mais acessíveis, os recursos narrativos eram melhores, a encenação, mais realista. O público foi fisgado de maneira irremediável. Como escreve Jean Massin, de repente “La fanciulla del West”, a ópera de Puccini, passou a parecer um anacronismo desnecessário em comparação com os filmes de faroeste, um entretenimento muito mais atraente.

O fonograma também deu nova vida à música folclórica, que tornou-se popular. Começou a criar influências, a evoluir historicamente. Com a derrocada da ópera e a ascenção da música popular, a música escrita (clássica, de linguagem, de concerto, erudita, o nome que você quiser) voltou ao seu nicho de sempre. E a coisa ficou ainda mais extremada após a Segunda Guerra Mundial. Regimes totalitários – de direita e de esquerda – utilizaram tanto politicamente uma linguagem musical mais simples e direta (dita “populista”), que os compositores naturalmente voltaram-se à abstração e à complexidade.

Esse contexto – entre outros fatores – fez com que a música contemporânea parecesse hoje tão afastada do público. É, de fato, uma linguagem diferente. O final do século 20 representou o ponto culminante desse afastamento. Mas no século 21 o clima político-artístico já se tornou muito mais ameno – e os compositores, sem abdicar da pesquisa expressiva e de linguagem, já podem estar próximos da audiência novamente.

Um dos principais compositores da geração atual é o inglês Thomas Adès, nascido em 1971. Suas obras aliam profunda expressividade, de intensidade quase mahleriana, à complexidade tonal e timbrística da música do pós-guerra. É uma produção fascinante, e em plena construção. O legal é que, enquanto escrevo este artigo, ele está compondo algo. (Vai que ele dá uma googada no próprio nome e acha este texto? Uau! Hello, Tom!)

Adès é jovem e não compôs tantas obras assim, mas em seu catálogo encontramos várias peças fascinantes: gosto particularmente de “Asyla”, de 1995, e dos MARAVILHOSOS “Três estudos de Couperin”, de 2006. Mas hoje separei seu Concerto para violino, de título “Caminhos concêntricos”, para comentar.

A obra é de 2005. Como a maioria dos concertos, é estruturado em três movimentos. O primeiro é estruturado em torno de uma figura super agitada. É muito fácil perceber, por trás dessa atmosfera lutoslawskiana meio assustadora, um “espectro” de melodia quase romântica. Intrigante! O segundo movimento é o eixo principal da obra: uma espécie de chacona tão estática quanto violenta, absolutamente genial nessa fusão de harmonia moderna e hieratismo barroco. O finale retoma a agitação do início e – interessante – tem um tema que pode, de verdade, ser assobiado.

Sem preconceitos: se você gosta dos concertos de Vivaldi ou de Beethoven ou de Brahms ou de Prokofiev, não vejo porque não gostaria do Concerto para violino de Adès. É criativo, é totalmente acessível e é uma experiência incrível do começo ao fim. Experimente Adès!

(Mas não o suco de soja, pelamordedeus.)

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 08/03/2013. Link permanente.