Bach

“A paixão segundo São Mateus”

por Adriano Brandão

Todas as quartas mostramos obras monumentais, imensas, gigantescas, mamúticas e gargantuescas, todas merecedoras do SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO. Hoje vamos dar um salto ainda maior. Chegou o dia de comentarmos o que muitos alegam ser a maior peça musical de todos os tempos: “A paixão segundo São Mateus” de Johann Sebastian Bach. BEHOLD!

Composta para a sexta-feira santa de 1727, executada na Igreja de São Tomás de Leipzig da qual Bach era o diretor musical, desde sempre essa “Paixão” foi planejada como algo importante. Já comentamos que Bach teve, por bom tempo, que compor cantatas semanais para a igreja. A “Paixão” se diferencia de todas elas não comente pela duração maior, mas pela ambição maior. Índice melhor disso é sua instrumentação: oito solistas vocais, dois coros, órgão e DUAS orquestras. A obra é grande por design.

Mais exemplos: lembram quando falei da estrutura básica da cantata bachiana, com seu esquema coro-ária-recitativo-coral? Ela está presente aqui, mas em grande escala e com vários twists. Bach aqui brinca de fundir seus moldes, criando compósitos incrivelmente expressivos. Vejam só: a obra já inicia LOGO DE CARA com dois coros sobrepostos a um coral, em que comentários poéticos de Picander são cantados em antífonas, e um hino luterano é cantado por um terceiro coro, ao mesmo tempo. É eletrizante! Funciona como se Bach mostrasse suas credenciais, desse um roundhouse kick e dissesse: “agora o BICHO VAI PEGAR!”.

E pegou mesmo! Seguem a esse coro-coro-coral absurdo mais 67 números de arrepiar os cabelos, em duas grandes partes (1-29, 30-68). É um desfile de momentos de beleza e profundidade inacreditáveis, que não somente contam a história do martírio de Jesus, mas despertam reflexões muito além de qualquer religião.

São cerca de duas horas e meia de música e é até difícil listar minhas partes favoritas. Em geral gosto dos coros (ah, os de abertura e fim de obra!), e das fusões, como o duo/coral do número 27, o recitativo/coro/ária/coro dos números 19-20 ou o recitativo/coro do número 67, o penúltimo. Várias árias ficaram imensamente célebres, como a de número 39, para voz de contralto (e violino obbligato); a de número 35, para tenor (e violoncelo obbligato); e especialmente a de número 65, para baixo, um dos supremos exemplos de alegria triste (ou tristeza alegre?) da história da música.

E pensar que tal monumento tenha passado quase 100 anos na obscuridade? Bach certamente promoveu mais uma ou duas audições da “Paixão” depois da estreia, mas depois disso a obra sumiu. Foi resgatada em 1829 por Mendelssohn e, aí sim, nunca mais deixou de ser reverenciada – universalmente, por músicos e plateia, cristãos e ateus, são-paulinos e corintianos…

Qualquer outro comentário que eu faça vai chover no molhado. O Amancio Cueto do blog Euterpe publicou no começo de 2013 uma série sensacional que destrincha a “Paixão” em detalhes. O melhor que todos temos a fazer agora é ler o texto do Amancio e – acima de tudo – ouvir a música incrível que Bach nos deixou. Obrigado.

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 12/02/2014. Link permanente.