Bach

Concerto, BWV. 1060(R)

por Adriano Brandão

Sabe de uma coisa? A obra de Bach é uma puta bagunça!

Não me refiro à música em si, não! É o portifólio bachiano que é bastante confuso. São quase 1300 obras, incluindo centenas de duplicações, reinstrumentações, reconstruções, falsas atribuições…

É que os conceitos de “obra fechada”, originalidade etc são completamente alienígenas para a época de Bach – surgiram mais ou menos com Beethoven, no início do século 19. Antes disso, era um tal de manuscrito perdido aqui, música emprestada ali, arranjo requentado acolá… Música era execução, coisa de momento – legado e posteridade eram palavras que não passavam pela cabeça de ninguém.

Vejamos Bach. Ele era visto por todos como um artesão superdotado. Durante a maior parte da vida ele tinha que apresentar música nova como uma vaca tinha que dar leite, para patrões que variavam de príncipes a organizações religiosas.

É famosa a obrigação que ele teve, por algum tempo, de criar uma cantata nova toda semana. Como quem ouvia a cantata de hoje nunca iria se lembrar das cantatas ouvidas no mês passado (vale lembrar que essas obras não eram editadas, e obviamente não havia registro fonográfico), Bach passou a se permitir o hábito da reciclagem musical. Uma das maiores obras-primas bachianas, a Missa em si menor, por exemplo, é na verdade uma colagem e readaptação de trechos compostos anteriormente. (E que música, amigos!)

Como amostra dessa confusão, hoje vamos falar de uma peça que tem duas versões igualmente célebres, baseada em uma obra que simplesmente desapareceu: o Concerto BWV 1060(R). Note o “R” opcional ao lado do número de catálogo. Note também que omiti de propósito a instrumentação da obra. Explico tudo :)

Parece – repito, parece – que em sua estada em Köthen, entre 1717 e 1723, Bach compôs um concerto para dois violinos em ré menor. Daí que em sua época de Leipzig, provavelmente após 1730, Bach pegou essa peça e a transformou em um concerto para dois cravos, em dó menor. (No catálogo ganhou o número BWV 1060.) A música é maravilhosa, e graças a essa reciclagem bachiana ela foi preservada – o manuscrito da peça original sumiu, só restando a versão para dois cravos.

Digo: nem sabemos se essa é a história mesmo, se houve mesmo original perdido. É tudo conjectura dos historiadores e musicólogos. Pois que o concerto foi reconstruído para esse original e para uma terceira versão, para violino e oboé, tanto no dó menor da versão dos cravos quanto no suposto ré menor mais cômodo para os violinos. E lá foi mexido o catálogo – esta versão é a BWV 1060R, “R” de “reconstrução”.

Perdido? Não estou dizendo que é uma bagunça? :)

Abaixo, a versão de que gosto mais, para dois cravos…

… a reconstrução para violino e oboé (que ficou mais corrente)…

… e a hoje mais rara versão para dois violinos.

A peça – ela em si, imbróglio musicológico à parte – é incrível. O que é esse movimento lento? Não tem muito o que discutir: é tão lindo que implora que você ouça todas as três variantes!

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 03/01/2013. Link permanente.