por Adriano Brandão
Um dos objetivos de qualquer povo é autoafirmação e independência. Isso significa poder se identificar como nação, falar a língua que quiser, professar (ou não) a fé que desejar e, principalmente, permanecer na própria terra.
Um dos povos que mais sofreram com a dominação estrangeira, em vários momentos históricos, foi o eslavo. O Leste Europeu foi, até a queda do Muro de Berlim em 1989, uma região constantemente esmagada pelas potências ocidentais de um lado e pela Rússia de outro.
A Morávia natal do compositor Leos Janácek foi, por quase toda sua vida, dominada pelos austríacos. O Império Austríaco, depois Império Austro-Húngaro, ia do centro da Europa até a fronteira com a Ucrânia. Esse mamute só deixou de existir no final da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Daí, finalmente, o povo tcheco pôde celebrar sua independência: surgiu a Tchecoslováquia. (Até 1938 eles permaneceriam tranquilos, depois os nazistas chegaram, em seguida os soviéticos…)
Em 1927, Janácek, muito sensível a esse tema, resolveu comemorar a independência de seu país escrevendo uma missa. Mas não uma missa comum: optou, como ato de afirmação étnica, por uma missa cantada na antiga língua litúrgica eslava, o eslavônico. Por isso o nome da obra – “Missa glagolítica”, ou seja, missa em língua escrita no alfabeto glagolítico, antecessor do cirílico.
A opção de Janácek, um ateu, por escrever uma missa de tintas étnicas é muito simbólica. O eslavônico é muito mais que uma manifestação nacional, é um patrimônio paneslavo – de fato, é uma espécie de língua franca litúrgica usada em diversos países. Além disso, o gênero da missa tem aquele componente formal que já comentamos: sempre o mesmo molde, usado e adaptado por diversos criadores, que permite fácil comparação. Num mundo de iguais, o diferente chama a atenção.
Fora as cinco seções tradicionais da missa – aqui com títulos em eslavônico: o “Credo” vira “Veruju”, o “Gloria” vira “Slava” e assim por diante – Janácek adiciona uma introdução orquestral e, no final, um (meio maluco e sensacional) solo de órgão seguido de um poslúdio sinfônico curiosamente chamado de “Intrada”. É, a entrada fica na saída :)
A linguagem musical de Janácek é de uma originalidade e uma modernidade impressionantes. Os ritmos refletem tanto a aspereza da língua antiga quanto a bagagem folclórica. A orquestração e o uso da voz humana é absolutamente pessoal. E o drama da expressão – como na passagem da crucificação de Cristo, na qual o órgão assume papel fundamental – demonstra a vocação de Janácek para o teatro.
A “Missa glagolítica” é muito, mas muito legal – das peças mais especiais do século 20, verdadeiro pilar do repertório coral sinfônico, que merece plenamente o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO. É sensacional demais – então aproveite! \o/
Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!Post escrito por Adriano Brandão em 02/01/2013. Link permanente.