Martinu

Concerto para piano no. 4, “Encantações”

por Adriano Brandão

Já comentei aqui: a música do tcheco Bohuslav Martinu é uma das minhas grandes paixões. Até que ela entrou na minha vida relativamente tarde – escutei uma obra de Martinu pela primeira vez há seis anos. Era o Concerto para oboé. A segunda obra que conheci foi justamente a peça que iremos comentar hoje: o Concerto para piano no. 4, dito “Encantações”.

Martinu morreu em 1959. É, portanto, um contemporâneo mais ou menos exato de Bartók ou Poulenc. O que fico sempre me perguntando: por que um compositor tão criativo, com um estilo tão distintivo, não é mais reconhecido? Por que uma obra-prima como o Concerto para piano no. 4 não é mais ouvida?

Acho que a resposta está na própria posição de Martinu na “política musical” do século 20. O nosso século (sou de 1978, posso chamar o século 20 de “nosso”?) foi uma época bem ingrata para os criadores musicais. A revolução trazida principalmente pela chamada “segunda escola vienense” – leia-se Schoenberg e pupilos – colocou vários compositores em situação delicada. Ou se definiam fortemente nessa vanguarda, ou eram irremediavelmente taxados de anacrônicos.

Um dos poucos que conseguiram transitar bem, fora de qualquer corrente, foi Bartók, para mim o grande ponto de equilíbrio da música do século 20. Stravinsky também navegou nessas águas como quis, criando seus próprios caminhos. Quando desejou ser neoclássico, vestir a “peruca do papai Bach” (como satirizou Schoenberg), o fez; quando achou interessante ser serialista, mandou ver nos doze tons.

Mas a maioria dos compositores se viu esmagada de alguma maneira. Martinu foi um desses. Mudou diversas vezes de linguagem, oscilando entre o francamente irônico (ao modo dos “Six” parisienses), o secamente mecânico (oppa neoclassical gangnam style) e o abertamente romântico. Onde encaixar o cara? Nesse limbo cruel, Martinu foi esquecido. Ô dó.

Supresa: após sua fase americana, ele criou um estilo completamente novo E maravilhoso! Anotem aí: este Concerto no. 4, a Sinfonia no. 6, as suítes sinfônicas “Afrescos de Piero della Francesca”, “Parábolas” e “Estampas”, o Concerto para piano no. 5… obras incríveis, muito pessoais, difíceis de serem classificadas. Devem ser ouvidas!

O Concerto no. 4 é dividido em dois movimentos, ambos de feitura muito livre. Eles misturam diversos tipos de música. Não existe claramente um movimento lento ou agitado. Os temas surgem e vão embora, os climas vão se alternando. Alguns motivos essenciais se repetem (notem o final), mas é raro – em geral, a música é um fluxo contínuo e mutante. A orquestração é inusitada, repleta de combinações timbrísticas sensacionais. O que é esse diálogo com a harpa no segundo movimento? E mesmo o comecinho da obra?

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Post escrito por Adriano Brandão em 13/11/2012. Link permanente.