Schnittke

Concerto grosso no. 1

por Adriano Brandão

Memórias de infância são esquisitas. Muitas vezes não entendemos algumas de nossas reações, vários de nossos sentimentos: medos, repulsas, traumas, ressentimentos. Quando vamos analisar, lá estão eles: os fantasmas da nossa infância.

O Concerto grosso no. 1 é mais uma das obras do compositor soviético Alfred Schnittke que lidam exatamente com memórias infantis que se tornam fantasmagóricas. Composto em 1977, para conjunto de cordas, dois violinos, cravos e piano preparado, foi a obra que tornou o nome de Schnittke famoso no ocidente. Também foi a obra que popularizou o conceito de poliestilismo, que não vou explicar – é só ouvir o concerto para entender :)

A peça começa com o piano preparado tocando uma versão distorcida de uma canção que o pequeno Alfredinho cantava em sua escola. Em seguida, os violinos solistas entram, em um mundo dissonante bastante distante. Quando menos se espera, o clima sombrio é interrompido por uma tocata em estilo barroco, em que séculos de história da música entram nesse clima de pesadelo e são transformados, sem dó.

No meio do concerto, um amplo recitativo retorna ao angustiado mundo dissonante, em que as cordas parecem ecoar gritos e sirenes longínquas. Mas tudo muda de repente de novo! Dessa vez começa um rondó vigoroso, em estilo meio beethoveniano, meio barroco, que se alterna com uma visão fantasmática de um velho tango que Vovó Schnittke gostava de ouvir. Caos. E fim, com o piano preparado retornando à canção escolar – ou ao que sobrou dela.

O Concerto grosso no. 1 de Schnittke, essa verdadeira sessão psicanalítica em forma de música, é das obras mais emocionantes da segunda metade do século 20 – e talvez de todos os tempos, por quê não? Complexa, difícil, mas ao mesmo tempo de uma humanidade tão comovente que a torna imediatamente acessível.

Impossível sair de uma audição dessa música da mesma maneira como se entrou. VÃO LÁ! E depois me digam :)

[O vídeo abaixo é de uma execução SENSACIONAL ocorrida em Boston em 2010, por uma orquestra sem regente chamada A Far Cry. Acho que é o melhor registro que temos dessa obra-prima. Mais interessante até do que a famosa gravação de Gidon Kremer.]

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 02/09/2012. Link permanente.