Liszt

Concerto para piano no. 1

por Adriano Brandão

E continuamos a série “Concerto romântico”! Já vimos os primeiros passos do concerto para piano no século 19, com Field e Chopin, a mudança promovida por Schumann, e a solução de compromisso proposta por Grieg. Hoje é dia de vermos que o maior pianista de sua época foi, surpreendentemente, o compositor que mais se preocupou em fazer a estrutura do concerto avançar: Franz Liszt!

O nosso amigo Liszt, um dos motores de inovação do romantismo musical, esboçou desde sempre seu primeiro concerto para piano, mas só conseguiu finalizá-lo em 1848. A demora se justifica: a obra é finamente trabalhada, muito mais uma enorme variação do que um concerto de roupagem tradicional. Liszt repetiria a dose em seu segundo concerto (composto na mesma época) e na Sonata em si menor, de 1853. São três obras de ousadia formal realmente notável.

Este Concerto para piano no. 1 foi estruturado em quatro breves movimentos tocados (quase) sem interrupção – há uma pequena pausa entre o primeiro e o segundo. Os dois primeiros andamentos expõem os temas principais da obra, que serão desenvolvidos nos movimentos posteriores. São duas partes, portanto, e elas têm igual duração e importância: apesar da cara de rapsódia, o concerto é, na verdade, muito simétrico e equilibrado.

A obra já começa a todo vapor, com o motivo principal do concerto, super famoso. Acostume-se com ele – Liszt está tão preocupado em reforçar sua importância que essas sete notinhas serão repetidas à exaustão. O piano é soberano mas não “dissolve” a orquestra que o acompanha – na verdade, ela tem igual importância na condução dessa estrutura, de maneira quase camerística. Há inclusive diversas ocasiões em que instrumentos são convidados a montar pequenos duetos com o piano (clarinete, flauta, triângulo… triângulo?).

Aliás, é o triângulo que marca a passagem da primeira para a segunda metade do concerto, do movimento lento para o scherzo. A partir desse momento, Liszt passa a reapresentar os temas já expostos, a criar novos baseados nestes, a variá-los infinitamente. A cada citação do motivo principal nos lembramos da estrutura em espelho do concerto. Até que chegamos ao ponto crucial da obra: a transição do scherzo para o finale, que é feita justamente com uma recapitulação praticamente literal da abertura, mas interpolada a material emprestado do movimento lento!

Daria para escrever muito mais linhas descrevendo as aventuras dos temas que aparecem e reaparecem neste concerto. Mas não vou ficar fazendo SPOILER, até porque essa é a graça maior da obra: a engenharia. Escute, escute várias vezes até começar a perceber os truques de Liszt. É delicioso: toda vez que reconhecemos uma artimanha (“uia, esse cara aqui veio lá do movimento lento”, “ha, de novo o scherzo!”, “olha o tema principal disfarçado, SAFADENHO!”) rola aquela alegria tipo coelho-saindo-de-cartola, sabe? Liszt era mesmo mágico!

E, muito conscientemente, operou pequena revolução: o concerto para piano era o refúgio para o qual corríamos para ouvir o piano derramar belas e numerosas notas. Ninguém precisava pensar, só se deleitar. Liszt transformou o concerto para piano num palco de engenharias formais de calibre sinfônico – o concerto lisztiano é um maravilhoso quebra-cabeça nível DESAFIO COBRÃO.

Claro que este Concerto no. 1 deixou pelo menos um filhote notável. Alguém se arrisca a dizer qual é? Assunto do próximo post! Palpites? COMENTE!

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Post escrito por Adriano Brandão em 24/03/2014. Link permanente.