Strauss

“As alegres travessuras de Till Eulenspiegel”

por Adriano Brandão

E chegamos ao final de nossa série “Mágico, fantástico, lendário”! Nos cinco episódios anteriores vimos diversas peças baseadas em antigas lendas ou contos de fada. Além da origem folclórica, essas obras tinham dois pontos em comum: subtextos sombrios e sobrenaturais; e o tom moralizante.

Para encerrar a série, vamos a algo um pouquinho diferente. A origem continua a mesma – histórias da carochinha – e o tom moralizante segue forte, mas o aspecto mágico dessa vez é substituído por um realismo cru e cômico. Trata-se do poema sinfônico “As alegres travessuras de Till Eulenspiegel”, composto por Richard Strauss em 1895.

O plot da obra é centrado na figura de Till Eulenspiegel, um personagem lendário medieval alemão, famoso por pregar peças de maneira compulsiva. Till não respeitava absolutamente ninguém – seu único drive vital era fazer troça e brincar com os outros. Claro que essa total falta de tato acabou mal. Vejamos.

O poema sinfônico começa com uma introdução lenta classicamente descrita como um “era uma vez” musical. Em seguida, dois temas ligados a Till, um comicamente heroico na trompa, outro escancaradamente farsesco no clarinete. Ambos os motivos serão repetidos ad nauseam – a obra é estruturada como um rondó (a cada seção nova, o retorno do tema principal). Descrito o protagonista, começam suas peripécias:

  • Ele entra montado a cavalo no mercado, destruindo as barracas e as mercadorias.
  • Ele se veste de padre e faz um sermão falso para o povo.
  • Ele flerta e persegue de maneira inconveniente as meninas da cidade.
  • Ele tira sarro dos sérios e solenes professores locais.

Obviamente isso não poderia ficar barato. A comunidade decide prender e enforcar Till Eulenspiegel. Está tudo na música: as pilhérias do protagonista, a perseguição a ele, sua prisão e rápido julgamento, e sua execução. Com direito a um último suspiro esganiçado no clarinete – requintes de crueldade. Todos, inclusive Strauss e os ouvintes, querem se vingar de Till.

O poema sinfônico se encaminha para o final com o “era uma vez” novamente, pacífico e tranquilo; a ordem foi restaurada após darem cabo de Till. Mas o finzinho é em tom de farsa, como se a peça fosse começar outra vez. Strauss parece estar deixando uma pergunta no ar: morto o zombeteiro, cessa a zombaria?

Na verdade, essa velha historinha alemã tem – além da lição contida na punição exemplar do protagonista – uma segunda moral: existe um Till Eulenspiegel escondido dentro de cada um de nós. Só que não conseguimos enxergá-lo direito. A própria figura do Till serve para percebermos o quão sacana e cruel pode ser o homem. Ou seja, nós mesmos.

Ah, sábio folclore…!

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Post escrito por Adriano Brandão em 18/02/2013. Link permanente.