Nielsen

Sinfonia no. 5

por Adriano Brandão

Após um longo e tenebroso inverno, estamos de volta! \o/

Quando a primeira temporada deste blog foi inesperadamente interrompida, estávamos no meio de uma série – “V“, dedicada a algumas Sinfonias no. 5 especialmente interessantes. Já falamos de três: a de Beethoven, a de Bruckner e a de Mahler.

Hoje é dia de comentarmos uma menos conhecida mas igualmente sensacional: a Quinta Sinfonia do dinamarquês Carl Nielsen, de 1922.

Esse camarada é dono de uma das produções mais originais do século 20. Contemporâneo exato de Sibelius e pouca coisa mais novo que Strauss e Debussy, Nielsen foi aparentemente o mais conservador da turma. Sua obra de juventude nunca se afasta muito de Brahms ou Dvorák, e até o fim da vida manteve-se razoavelmente fiel à tradição germânica. Compôs seis sinfonias, três concertos, um monte de música de câmara e duas óperas, sem nunca vestir a roupa de revolucionário.

Mas que música diferente a dele! O traço mais importante de seu estilo vem de sua aptidão natural para o teatral: a presença constante de “personagens” e eventos musicais inesperados que surgem na maioria de suas obras para causar disrupção, instabilidade. Vejamos:

  • Os cantores que aparecem no meio da Terceira Sinfonia;
  • O duelo de timpanistas no final da Quarta Sinfonia;
  • O maldito trombone que importuna o solista no Concerto para flauta;
  • A onipresente caixa do Concerto para clarinete;
  • O final maluco da Sonata para violino no. 2;
  • O longo trecho ad libitum do poema sinfônico “O sonho de Gunnar”;
  • O bizarro scherzo da Sexta Sinfonia.

E, claro, a Quinta Sinfonia que é nosso assunto de hoje. Chama a atenção nessa obra sensacional sua disposição inusitada (dois movimentos compostos por duas e quatro partes, respectivamente, tocadas sem interrupção) e o papel importante da caixa no primeiro movimento. (De fato, daria para classificar a metade inicial da obra como um confronto entre a orquestra e a caixa. Nielsen chegou a escrever na partitura a instrução para o percussionista: “improvise para impedir, a todo custo, a orquestra de tocar”. Uau. SPOILER: a orquestra vence no final!)

A sinfonia começa num cenário desolado, com figuras nas violas ao estilo de um sismógrafo ou um contador geiger. Será que Nielsen pensou mesmo num mundo pós-apocalíptico? Aos poucos a presença da já mencionada caixa se faz perceber e, realmente, ela briga com todo mundo. Só depois de um tempo surge um belo tema nas cordas graves que parece rivalizar com a secura destrutiva da caixa; repetida por toda a orquestra, não sem muita batalha, essa melodia sela o clímax da primeira parte e a vitória final dos “sentimentos positivos”.

Já dava para terminar aí? Hmmm. Ao contrário da Quinta de Beethoven, que só resolve seu conflito no final, a Quinta de Nielsen o resolve no meio. Mas não houve resolução real – quer dizer, a tal da caixa foi derrotada, mas ainda é preciso levar a sinfonia para algo diferente daquela desolação completa do “contador geiger” inicial.

Então a segunda parte começa a todo vapor, realmente “propositiva”, cheia de esperança. Mas o caos logo se instaura, na forma de uma fuga caricata, quase uma marcha, não muito distante da metaleira de um Shostakovich, por exemplo. Só há paz após uma segunda fuga, desta vez lenta e reflexiva, sobre o tema “propositivo” do início do movimento, que justamente retorna para terminar esta obra-prima da maneira mais positiva e majestosa possível.

É um percurso lindo, muito emocionante. Notem que fiz um baita esforço para comentar a obra sem super interpretá-la. A descrição restou abstrata porque Nielsen realmente não dá nenhum background literário ou extramusical para a sinfonia. Nem subtítulo ela tem. O que a caixa simboliza? É uma batalha do quê afinal? O que é esse mundo tão soturno que inicia a obra? Tem a ver, será, com a Europa do pós-guerra (em 1922 a Primeira Guerra Mundial mal havia acabado)?

Não temos como saber. O que fica: uma das maiores sinfonias do século 20 (e de qualquer século), das mais humanas e originais jamais compostas, e que você PRECISA conhecer. Então clica aí! ;-)

Dos mesmos diretores de Ilha Quadrada, eis o Concertmaster, um front-end que transforma o Spotify em um poderoso player de música clássica. GRÁTIS!

Post escrito por Adriano Brandão em 10/02/2014. Link permanente.