Bartók

Música para cordas, percussão e celesta

Hoje é quarta, e quarta aqui na Ilha é dia de condecorar grandes obras-primas com o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO \o/

E a agraciada do dia é a “Música para cordas, percussão e celesta”, do húngaro Béla Bartók. Obra de 1936, composta para atender a uma encomenda do regente e milionário suíço Paul Sacher, rapidamente entrou no cânone universal. É das maiores obras do século 20 e também de todos os tempos!

Vejamos: ao bolar a obra, Bartók optou pelo controle e pela perfeição. A obra é instrumentada para dois grupos de cordas completos, colocados em lados opostos do palco, mais um grupo de percussão (xilofone, caixa, tímpanos etc) que fica no centro (as posições são especificadas pelo autor). E a celesta, que é este instrumento aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Celesta. Ah, e tem um piano também! Ele não está especificado no título. Seria o piano do time das cordas ou do time da percussão? Ou do time da celesta? :-P

(Eu particularmente voto em #TeamCelesta! #TeamCelesta FTW!)

A peça tem quatro movimentos, alternadamente rápidos e lentos. O primeiro é lento, uma fuga impressionante, que cresce e cresce e cresce e cresce em intensidade… até explodir e voltar ao início. O segundo é um grande jogo de tênis entre as duas orquestras de cordas (não se esqueça de escutar com fones de ouvido!). O terceiro é um adagio tipicamente “noturno”, repleto de climas e ruídos misteriosos, exatamente como sons da natureza. E o quarto adota a expressão da dança popular, agitada e alegre, meio selvagem.

Tudo isso é amarrado pelo uso da chamada “sequência de Fibonacci” e pela razão áurea que a define. Sem entrar em complexidades:: a razão áurea é a proporção considerada perfeita, de 3:5 (pense num retângulo de 3 x 5 cm). A sequência de Fibonacci é uma sequência de números em que cada item é a soma dos dois itens anteriores: 0-1-1-2-3-5-8-13. Note o 3-5 ali, e os equivalentes 5-8, 8-13 etc: todos são pares em proporção áurea.

Bartók utiliza conscientemente todos os pontos de razão áurea para demarcar formalmente sua obra: eventos importantes, como mudanças de movimento, tonalidade, ritmo, intensidade etc, tudo acontece em proporção áurea. A sensação que passa ao ouvinte é a de perfeição e inevitabilidade – nada parece arrastado ou alongado, mas natural e precisamente colocado. Matemágica, meus caros! :)

Último ponto: a peça não se chama sinfonia, concerto, sonata ou suíte. Ela se chama simplesmente “música”. Bartók, no título, consagra a abstração a que almejava. É música que não significa nada, música que contém perfeitamente a si mesma (mesmo com tantas referências ao folclore e à natureza!). Tal obra merece mesmo um título assim: “música”. E ponto final.

Amigos, amigas, por mais que eu escreva, nunca será o suficiente. Acima de qualquer descrição, a “Música para cordas, percussão e celesta” é simplesmente DO GRANDE CARVALHO!

O melhor que temos a fazer agora é ouvi-la. De joelhos, é claro. ;-)

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Martinu

Noneto

“Outonal”.

Em arte, geralmente essa palavra indica criações que têm certo clima melancólico, mas não depressivo. Há algo de esperança e sutileza nesse tipo de expressão, sempre realizada em meios-tons.

Na vida, geralmente associamos esse termo à velhice. A pessoa em seu outono: uma fase em que a nostalgia de uma juventude perdida e a consciência de fim de jornada se unem à sabedoria própria da experiência.

Na história da música esses dois outonos se fundiram com alguma frequência. O caso clássico é o de Brahms, mas gosto muito de lembrar do tcheco Bohuslav Martinu, que compôs um par de obras realmente encantadoras em seus últimos anos de existência.

Martinu é uma das personalidades musicais mais marcantes do século 20. Seu estilo, tal qual o de Richard Strauss, é único e imediatamente reconhecível. E olha que sua trajetória, tal qual a de Stravinsky (ou a de Picasso, nas artes plásticas), teve inúmeras fases: o estilo parisiense, próximo dos “Six”; o estilo neoclássico, aparentado ao de Bartók; o estilo “americano”, grandioso e romântico; e o estilo “impressionista”, livre e colorido.

A todas essas etapas soma-se um epílogo: justamente a fase outonal, de obras como a Rapsódia para viola e orquestra e este Noneto que apresento hoje.

O Noneto, para flauta, oboé, clarinete, trompa, fagote, violino, viola, violoncelo e contrabaixo, foi composto em 1959 – último ano de vida de Martinu. É dividido, como usual para o compositor, nos três movimentos clássicos.

Martinu morreu no exílio, na Suíça. Ele saiu de sua Boêmia natal em 1923 e, com guerras e revoluções no meio do caminho, acabou nunca voltando. O Noneto parece expressar bem a saudades da música de sua terra, vista sob o olhar cansado mas afetuoso de um artista septuagenário. É lindo até não poder mais, de uma ternura realmente infinita. Como que uma obra tão maravilhosa assim não é mais conhecida, mais ouvida, mais tocada?

Martinu é dos grandes. Vou encher vocês de tanto Martinu cá nesta Ilha ;-)

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Chausson

Sinfonia em si bemol maior

Senta que lá vem história!

E não uma história qualquer, mas a “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”, que está chegando ao seu penúltimo capítulo.

~PREVIOUSLY ~

O renascimento da sinfonia francesa começou com Saint-Saëns e sua Terceira, em 1887, que bebeu direto da fonte cíclica lisztiana. Em seguida, a febre: d’Indy e a “Sinfonia sobre um canto montanhês francês”, de 1888, e principalmente Franck e sua Sinfonia em ré menor, de 1889.

~ TONIGHT ~

Em 1890 foi a vez de Ernest Chausson. Esse incrível compositor francês, que viveu tão pouco e criou música tão bela, não poderia ficar de fora. E mandou muito bem: sua Sinfonia em si bemol maior é digna companheira de Franck e Saint-Saëns.

No caso de Franck, não só companheira como IRMÃ GÊMEA. Chausson reproduziu a forma franckiana com perfeição: três movimentos, tema cíclico, introdução lenta, finale agitado com tema em estilo coral, redenção no finalzinho. Em vários trechos é fácil se distrair e imaginar-se ouvindo Franck: harmonias, transições, a cor geral… enfim, o estilo é bem parecido.

O que Chausson fez de diferente? Ao contrário do que parece, não pouca coisa: a forma é mais concisa, a expressão é mais dramática, a orquestração é mais equilibrada. E, principalmente, a linguagem parece apontar mais para o futuro: Debussy, que era amigo pessoal de Chausson, não está tão longe assim.

Vou ser rebelde um pouco e arriscar: na maioria das vezes GOSTO MAIS da Sinfonia de Chausson do que da de Franck.

Concorda? Não concorda? Ouça e mande sua opinião. ;-)

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Wagner

“O anel do nibelungo”, suíte

Preciso dizer algo: eu não gosto de ópera.

Não, eu gosto da voz humana, amo canto, não é esse o problema. Provavelmente o problema é o teatro. Ópera é drama, e se teatro já é um ambiente bastante artificial, ópera o é em dobro. Histórias em geral estapafúrdias, plot devices dos mais previsíveis e episódios desiguais costurados de maneira canhestra para permitir o livre fluxo dos exibicionismos vocais e das convenções do gênero: não, não consigo curtir tanto.

Ah, claro, tem muita música boa em ópera também! Penso imediatamente em Mozart, Handel, Monteverdi, Janácek… mas, acima de tudo, penso em Richard Wagner, o cara que conseguiu escapar do lodaçal que descrevi acima. Wagner, em parceria com seu ego gigantesco, criou do início ao fim obras em que controlava tudo: música, é óbvio, mas também o texto, direção teatral, cenografia, até a arquitetura dos teatros nos quais suas óperas devem ser encenadas.

Óperas, não: “dramas musicais”. Até o nome do gênero Wagner reformou. E o fez muito bem. Sua maior realização foi o ciclo “O anel do nibelungo”, composto de “três dramas musicais e um prelúdio”, como descreveu, a partir da mitologia nórdica. São quatro óperas – “O ouro do Reno”, “A valquíria”, “Siegfried” e “O crepúsculo dos deuses” – somando mais de 15 horas de encenação. Wagner imaginou as obras sendo apresentadas em uma noite mais três dias seguidos, e isso acontece desde 1876 a aproximadamente cada cinco anos no Festival de Bayreuth, na Alemanha.

(Aliás, quer comprar um ingresso? Fique na fila por uns sete anos mais ou menos…)

Um dia vou a Bayreuth :) Apesar da minha ojeriza a ópera, acho Wagner FODA demais. Suas obras são muito menos dependentes do esquemão teatral da época, parecendo mais orgânicas – isto é, na medida do possível. Os enredos ainda são um tanto enrolados, há uma boa dose de embromação, mas… quem se importa? A MÚSICA É INCRÍVEL!

O “Anel” levou o conceito lisztiano de tema cíclico ao teatro, introduzindo o chamado “leitmotiv” (motivo condutor). Leitmotiven são pequenas melodias que não só identificam personagens, ações, conceitos, mas que também se transformam continuamente, refletindo musicalmente as consequências do enredo. No “Anel” há centenas de motivos condutores que aparecem o tempo inteiro, dando incrível coesão a um ciclo tão longo.

A música é absurdamente maravilhosa, desde o prelúdio de “O ouro do Reno”, que descreve o fluir da água do rio, até as passagens épicas dos deuses do Valhalla, os idílios de casais como Siegmund+Sieglinde e Siegfried+Brünnhilde, as aventuras das guerreiras valquírias, o ambiente sombrio dos anões ferreiros, dragões, florestas… é mágico! A música parece tão inevitável, tão parte da cultura humana DESDE SEMPRE, que é impossível não se render completamente a ela.

O obstáculo do teatro fez essa música tão essencial ser adaptada inúmeras vezes para a sala de concertos. Perde-se muita coisa nessa transição? Sim, mas é bem legal. Leopold Stokowski, por exemplo, tornou célebres suas adaptações orquestrais do “Anel” – suas gravações são incríveis! -, picotando o ciclo monstruoso em pedacinhos isolados. Gerações e gerações de ouvintes conheceram a música de Wagner graças às seleções de Stokowski.

Em 1987 o regente americano Lorin Maazel, atendendo a um pedido da gravadora Telarc, criou o que chamou de “O ‘Anel’ sem palavras”, um arranjo condensando todo o “Anel” em um fluxo sinfônico contínuo de 75 minutos (a duração de um CD). Diferentemente de Stokowski, as diversas partes não são estanques, mas integradas de maneira mais ou menos suave, com material de transição composto por Maazel.

Funciona bem! É engraçado pular de uma ópera para outra tão rapidamente, mas, por mais desengonçado que isso possa parecer, a música resiste muito bem. Fica faltando muita coisa importante, mas… puxa vida, é bonito e emocionante mesmo assim!

Aproveitem! E, se gostarem, partam para as óperas originais. São fáceis? Não, mas a jornada do “Anel” vale a pena demais!

Beethoven

Concerto para violino

[Post orgulhosamente patrocinado pelo AMIGO INTERNAUTA. Cheers! \o/]

Sai que é sua… Beethoven?

Como resistir à força de Beethoven? Já é a terceira vez seguida que nosso querido Ludwig emplaca um VOCÊ DECIDE. Como reclamar disso? Beethoven é um campeão absoluto, total DO GRANDE CARVALHO, e a obra de hoje – seu Concerto para violino – dispensa apresentações.

Até 1806, concertos para violino (ou, de repente, todos os concertos, mas principalmente os para violino) eram obras mais leves, curtas, dedicadas quase exclusivamente à exibição dos dotes – uia – do solista. Podemos pensar nos concertos para violino de Mozart, que apesar de belíssimos, são obras de muito menor fôlego que, por exemplo, suas sinfonias.

Beethoven inaugurou aqui um novo gênero: o concerto monumental. E justo para violino! Não à toa a peça foi mal recebida em sua estreia. Dizem que foi considerado tão longo, estranho e difícil que o solista da primeira audição teve que consultar a partitura, tomar água, ir ao banheiro, consultar a Wikipedia e pedir ajuda aos universitários durante a execução (mentira! mas que ele teve que tocar lendo a partitura, teve).

O fato é que a obra só se consolidou no repertório após a morte de Beethoven, para nunca mais dele sair. É uma obra-prima impressionante. FATO RELEVANTE: o tema principal, que amarra toda a obra, é exposto pelos… tímpanos! Uau. Escute no vídeo abaixo e veja como o toque inicial do tímpano é a “batida do coração” básica de TODA a obra. E gera melodias tão bonitas! Como ousam dizer que Beethoven era mau melodista?

Enough talking! Fiquem com Joshua Bell, que toca e rege o concerto em concerto no Japão. (Ooops, não há regente! Trata-se da lendária Orpheus Chamber Orchestra, que ficou célebre por se virar sozinha.) A cadência que ele usa não é nem a de Joachim, nem a de Kreisler, clássicas, mas a que ele mesmo criou, bem interessante. Para ver a evolução: na época de Beethoven, o concerto era o horror dos solistas; hoje, violinistas o tocam, criam cadências, regem a orquestra e jogam malabares incendiários. Não, não é mentira :-P

Curta, curta! Bom fim-de-semana!

Poulenc

Concerto para dois pianos

Cansaço extremo ao final de um dia puxado. Quem nunca?

Já recomendei aqui Handel como um bálsamo universal. Há outros, porém :) Dvorák é um grande favorito nessas horas, mas um predileto insuspeito é mesmo Francis Poulenc.

Acho as obras de Poulenc, principalmente as concertantes, energéticos sensacionais. Descem macio e reanimam? Talvez! :-D

São espirituosas, divertidas, extremamente inventivas, cheias de referências engraçadas e, principalmente, descontraídas. OK, não são assim um poço de profundidade, mas quem quer sisudez e grande filosofia o tempo todo?

Abaixo, uma das peças mais famosas de Poulenc, o Concerto para dois pianos, de 1932. Ela reúne todas as características que citei. Gosto especialmente do movimento lento. Ele começa da maneira mais mozartiana possível, para em seguida passar para um modo clássico de Poulenc (por falta de outro nome chamo de “estilo cabaré francês”). No meio do movimento, o cabaré dá lugar novamente a Mozart – quase uma citação literal do Concerto no. 21, desfigurada imediatamente, abruptamente, no meio do tema. Sim, uma música duas caras. É estranho, é doido, É PRA LÁ DE LEGAL!

Escutem, escutem, e salvem o seu dia! \o/ O vídeo é incrivelmente especial: um dos pianistas é o próprio compositor, e o regente é o elegante e expressivo Georges Prêtre, ainda novinho. O som é bem bom, apesar da idade. Épico!

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Brahms

Sinfonia no. 4

Hoje estamos estreando uma seção nova nesta Ilha: A QUARTA DO GRANDE CARVALHO.

Explico :) Todas as obras que apresentamos aqui são sensacionais, é claro! Mas tem algumas que são AINDA MAIS incríveis e importantes, que todos os seres do universo devem conhecer. Assim como acontece com o GRANDE CARVALHO, sua magnitude e imponência as coloca acima de todas as outras árvores, digo, obras.

Por isso o governo cá da Ilha passou a expedir o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO, homenageando obras fundamentais da história da música todas as quartas-feiras.

É basicamente isso ;-)

E, obviamente, começo com o meu compositor favorito, Johannes Brahms. Nosso querido Barba compôs quatro sinfonias, todas impressionantes. Mas é a Quarta, de 1885, que conquistou um lugar especial no coração do público. Merecidíssimo!

Como já comentei antes, Brahms é o compositor que alia altíssima intensidade emocional a controle absoluto da forma. À distância, suas obras podem parecer secas, formalistas, quadradas. Mas não é nada disso. Sob essa arquitetura perfeita há o velho e bom romantismo oitocentista, fervilhente de emoções.

A Quarta Sinfonia resume isso com exatidão. A descrição: sinfonia nos quatro movimentos clássicos, formas compactas, tom geral outonal e um finale que é uma passacaglia sobre um tema de Bach. Sem escutar, imagina-se um exercício acadêmico. RÁ, ao contrário! Logo nos primeiros compassos, o tema inicial hesitante, instável, já entrega que estamos iniciando uma experiência muito especial. Esse tema vai-se transformando, tornando-se cada vez mais intenso e decidido, até fechar em tom épico.

Inesquecível, mas ainda tem muito mais! O segundo movimento é um andante arcaizante, uma espécie de marcha lenta de sabor meio modal, de cores muito interessantes. Maravilhoso. Segue-se o scherzo, que não tem esse nome nem tem a forma ternária característica, mas conserva o espírito mais leve e agitado.

(Olha só: é o único movimento “scherzante” das sinfonias de Brahms. Todas as outras optaram por andamentos moderados, em estilo “intermezzo”, para fazerem a ligação entre os movimentos lentos e os finales.)

AH, O FINALE! Se segura na poltrona, ô psit! Trata-se de uma imensa passacaglia sobre o tema do final da Cantata BWV. 150 de Bach. Brahms pega o motivo bachiano, coloca-o no baixo, e cria sobre ele 30 variações dos mais diversos tipos, concluindo com uma coda monumental.

Nem tenho mais o que falar. É tão incrível que me calo e passo a bola para Carlos Kleiber, no lendário vídeo abaixo (nos comentários). Kleiber era tão bom regente, e gravou tão pouco, que todos o registros que temos dele são tesouros preciosos. Pra mim é sem discussão: é de Kleiber a melhor Quarta de Brahms.

Obra e execução merecem nosso selo – são mesmo do GRANDE CARVALHO! \o/

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Franck

Sinfonia em ré menor

AHÁ! Mais um capítulo da nossa já mui célebre série das segundas-feiras, “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”. Fujam para as montanhas! /o\

Hoje, como prometido, daaah dah daaaaah… daaah dah daaaaah… :) Os entendedores já entenderam: vamos falar da Sinfonia em ré menor, do belga César Franck. Belga? Sim, mas não vale: Franck estudou, trabalhou e viveu praticamente toda a vida em Paris. Sua sinfonia continua francesa ;-)

A Sinfonia de Franck (que tradicionalmente é chamada de “Sinfonia em ré menor” apesar de ser a única do compositor. Go figure!) foi composta em 1888, no rastro do sucesso das sinfonias de Saint-Saëns e d’Indy. Estreou no ano seguinte. Franck morreria pouco tempo depois.

A sinfonia segue a cartilha da forma cíclica, mas com um twist. O tema básico é realmente o “daaah dah daaaah” tão parecido com o início de “Os prelúdios” de Liszt. Mas no segundo movimento surgem outros temas que se tornarão também relevantes. Aliás, esse andamento traz um monte de novidades. Ele não só carrega DENTRO de si uma espécie de scherzo central, como o faz soar SIMULTANEAMENTE com o andante: a recapitulação é lenta e rápida ao mesmo tempo. É muito engenhoso! O finale, claro, recapitula todos esses temas, reafirmando a supremacia do “daaah dah daaah”.

A obra foi alvo de super controvérsia no meio musical parisiense. A crítica concentrou-se, entre outros detalhes, no solo de corne inglês do (maravilhoso) movimento lento. Seria um instrumento indigno de uma sinfonia? Cáspita! Poderiam ter criticado várias outras coisas, como a orquestração ultra-hiper-mega-giga-pesada. Não, escolheram malhar o pobre corne inglês…

Alvo de críticas ou não, a Sinfonia de Franck provou-se incrivelmente influente, mais ainda que suas antecessoras. Gerou duas lindas sinfonias GÊMEAS e, ao contrário da obra de d’Indy, jamais saiu do repertório. É sim uma peça bonita e emocionante, parte importante da história da música, que todos devem conhecer.

[O video abaixo traz Leonard Bernstein e seus tempos bastante lentos, mas que conseguem fazer trechos de orquestração muito espessa soarem bonitos. Vale ver!]

Mendes

“Santos Football Music”

Quem segue o facebook da VivaMúsica! ou ouve o podcast da Revista Concerto já está por dentro: recentemente o compositor brasileiro Gilberto Mendes completou 90 anos.

Vou aproveitar a deixa :) É o primeiro autor brasileiro vivo que mostro nesta Ilha. Mais do que dar parabéns a ele, queria apresentar a VOCÊ, AMIGO INTERNAUTA, sua obra mais famosa e paradigmática: “Santos Football Music”, para orquestra, fita magnética e plateia.

Plateia? É :) A característica mais comentada desta obra, de 1973, é a interação com o público. Antes da execução em si, a audiência é devidamente ensaiada, aprendendo a responder adequadamente a placas que ordenam: “falem”, “cantem”, “vogais”, “gol” etc. Durante a peça essas placas são levantadas, transformando a plateia em parte integrante da obra musical.

“Santos Football Music” é um jogo de futebol – do Santos de Pelé, afinal Mendes é santista – e a plateia é a torcida. Acontece de tudo. Dois gols inclusive. SPOILER: mais para o final da peça, o regente, vestido de juiz, deve marcar um pênalti e expulsar um membro da orquestra. /o\

Claro, a mise-en-scène é muito divertida e tudo mais, mas o ponto que torna a obra fascinante, pelo menos para mim, é a utilização da fita magnética. Totalmente consoante com o que se fazia na época, Mendes incorpora sons de narração de rádio (ele escolheu Geraldo José de Almeida, locutor clássico) a uma linguagem que lembra Lutoslawski ou Penderecki. A fala rápida, de ritmo amorfo, de Almeida, casa-se perfeitamente com essa música que é praticamente só textura. Funciona maravilhosamente bem: é não somente evocativo, mas também poético.

(Claro, a utilização da plateia cria um elemento de aleatoridade também muito típico dos autores poloneses citados. Vale lembrar: a obra foi escrita e estreada em Varsóvia.)

O que acho mais legal em “Santos Football Music” é a junção da escola polonesa dos anos 60-70, geralmente séria, sombria, com uma manifestação tão popular e brasileira quanto o futebol. O público adora – taí o milagre realizado por Mendes, o de tornar a linguagem musical contemporânea em algo acessível e divertido.

Lamentamos somente a escolha clubística. Santos? Pff. :-P

Bach

Passacaglia e fuga em dó menor

Já comentamos sobre “Quadros de uma exposição” e o fascínio que a obra não para de exerce sobre músicos e audiência. Acho mesmo que a peça de Mussorgsky, originalmente para piano, é a campeã de arranjos e recriações. Mas há outra obra que rivaliza com os “Quadros” nesse aspecto: a Passacaglia e fuga em dó menor, para órgão, de Johann Sebastian Bach.

Antes, vamos destrinchar esse nome esquisito. Em três partes: um, dois e já!

PARTE I: PASSACAGLIA

Que raios é uma passacaglia? Trata-se de uma forma barroca de variações. Não é difícil de explicar: pense num tema exposto no baixo, variado de inúmeras maneiras mas que CONTINUA soando incessantemente no acompanhamento. O tom, geralmente sóbrio, e o ritmo constante dá geralmente um aspecto de crescente intensidade, sempre muito excitante.

PARTE II: FUGA

Que raios é uma fuga? Trata-se de um artifício musical, uma forma, uma técnica. Não é difícil de explicar: pense num tema exposto em um registro (tecnicamente, “voz”) e que é repetido, com algum atraso, em outro, e outro, e outro, sucessivamente, sem que nenhuma dessas vozes pare de soar. O tom, geralmente declamatório, e a complexidade crescente dá geralmente um aspecto de crescente intensidade, sempre muito excitante.

PARTE III: PASSACAGLIA E FUGA

Por que raios juntar uma passacaglia com uma fuga? Trata-se de um dispositivo formal recorrente no barroco: obras em duas, três, quatro partes, cada uma em uma forma diferente, mas sempre terminando com uma fuga. O que, claro, é sempre muito excitante :)

Assim, existem centenas de obras com títulos como “Tocata e fuga”, “Prelúdio, adagio e fuga”, “Fantasia e fuga” etc etc.

Por que sempre terminar com uma fuga? Por motivos óbvios: para demonstrar a destreza tanto do compositor como do(s) intérprete(s). E porque fugas são MUITO FODAS. Ah, sim: o meio predileto desse tipo de formato era o órgão, por causa de sua imensa capacidade polifônica (manter múltiplas vozes simultâneas).

Bach, compositor sempre associado ao órgão, compôs diversas obras nesses moldes. São as peças mais abstratas e “modernas”, se me permitem a liberdade, da produção bachiana. São as minhas obras favoritas de Bach também!

Esta Passacaglia e fuga em dó menor foi composta entre 1706 e 1713, não se sabe ao certo – como de costume, seu manuscrito original foi perdido. A peça incendiou corações e mentes posteridade afora. Foi transcrita diversas vezes para piano (D’Albert, Reger), orquestrada (Stokowski, Leibowitz, Respighi), arranjada para banda de metais, trio de jazz, quarteto de cordas, violão…

A orquestração mais famosa é a de Stokowski, que realça bastante o lado sombrio da obra. Mas vamos ouvi-la em outra ocasião! Hoje é dia de ficarmos assombrados pela peça em seu meio original, o órgão. BEHOLD!

[A interpretação abaixo, do especialista holandês Ton Koopman, foge um tantinho do modo solene como estamos habituados a ouvir a Passacaglia e fuga. É mais rápida e mais ornamentada. Acho fascinante!]