Bruckner

Sinfonia no. 8

Quarta-feira é dia de honrarias aqui na nossa querida Ilha. Como vocês sabem, homenageamos obras-primas absolutas da música com o prestigioso SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO. Já falamos de Brahms e de Bartók. Por ora, continuaremos na letra B :) Hoje o selo vai para a Oitava Sinfonia de Anton Bruckner. Preparem-se!

Bruckner é um compositor complicado. Sua música inevitavelmente cai na dicotomia amo/odeio. Estou do lado do amor, é claro ;-) Mas tem muita gente que não consegue engolir bem o estilo bruckneriano.

Tal rejeição tem motivo: Bruckner criou uma linguagem muito pessoal, realmente diferente do padrão. Seu estilo inusitado inclui temática bipolar (temas pontuados, declamatórios, convivendo com outros mais líricos e ainda outros em estilo de “hino”), retórica permanentemente fragmentada (longos parágrafos contrastantes colocados lado-a-lado de maneira abrupta, às vezes com grandes pausas entre eles), forma expandida (obras bem grandes, com muitos temas, um monte de centros tonais, codas, introduções…) e uma orquestração organística, em blocos (muito metal, cordas graves, longos trêmolos) com linguagem harmônica mezzo schubertiana mezzo wagneriana (cromatismo!). É uma combinação maluca e à primeira vista difícil de digerir.

Bruckner, tal como Mahler, dedicou o melhor de si à composição de sinfonias. Compôs nove (mais outras duas não numeradas, curiosamente conhecidas como “00” e “0”). A Oitava, cuja versão definitiva foi completada em 1890, é o ponto culminante dessa produção. Gigante – cerca de 80 minutos -, de expressão trágica, ela, tal qual o GRANDE CARVALHO, se impõe perante todas as outras.

A Oitava começa com um movimento de rara intensidade e concentração para Bruckner. O tema principal, de rítmica semelhante à do motivo de Siegfried (lembram-se do “Anel” de Wagner?), já soa logo de cara, nos lançando sem demora a um mundo de dramaticidade, austeridade e certo patetismo. É avassalador. Após tanta tensão, o movimento termina sem a devida resolução de seus dilemas, num silêncio pessimista. A energia acumulada passa diretamente para o segundo movimento, um scherzo ABSOLUTAMENTE FODÁSTICO, que contém em seu miolo um trio sonhador realmente de outro mundo.

Passada meia hora, já estamos totalmente rendidos pela música. Mas ainda tem muito mais! Os dois próximos movimentos, ainda mais longos, reservam intensa beleza. Ouça o Adagio, longuíssimo e emocionante, com clímaxes construídos da maneira mais simples (são só escalas! caceta!) e efetiva (pegue os lenços!). E o imponente Finale, que começa com o gás todo e só faz crescer em complexidade formal e contrapontística, citando em momentos relevantes os temas dos movimentos anteriores até a conclusão apoteótica.

Pessoas… é ou não é DO GRANDE CARVALHO? \o/

Bruckner merece mais atenção. Você merece mais Bruckner. Go for it!

[Ah, sim! O vídeo abaixo é um registro muito especial de um concerto regido por Herbert von Karajan na catedral de St. Florian, onde Bruckner foi por muito tempo organista e onde estão seus restos mortais. Karajan era expert em Bruckner e mais ainda nesta Oitava. É sensacional!]

Bach

Suíte para violoncelo no. 6

Algumas obras musicais têm o poder especial de parecerem existir desde sempre, como se fossem partes inevitáveis da história humana. Já comentei aqui sobre o “Anel” de Wagner. Hoje vou falar de uma peça tão ou mais universal: a Suíte para violoncelo no. 6 de Bach.

Bom, parece que TODA a produção de Bach emana essa sensação de inevitabilidade! Acho que foi isso que Villa-Lobos quis dizer quando aproximou Bach ao folclore brasileiro, insinuando que havia ali uma relação. Na verdade, Bach tem cheiro de “folclore do mundo”, se me permitirem dar uma de Nestrovski ou de Gianetti da Fonseca. (Bleargh.)

Bullshitagem de lado, o fato é que é impossível não se sentir emocionado e assombrado por obras como as suítes para violoncelo de Bach. O interessante é que essas peças tão sensacionais, compostas no período em que Bach trabalhava para o príncipe de Köthen (década de 1720), foram esquecidas logo após a morte do autor. Alguns músicos as conheciam, como Schumann, que compôs acompanhamentos pianísticos para as suítes. Mas elas só entraram no repertório graças ao esforço do violoncelista espanhol Pablo Casals, nos anos 1920. Tipo… duzentos anos depois!

Hoje elas se tornaram quase “pop” – como as “Variações Goldberg”, as suítes ganham a admiração de gente bastante afastada da música clássica em geral. Já encontrei CDs das suítes e das “Goldberg” em casas de amantes de jazz e pop. Meu lado Nestrovski diria que é o “folclore universal”, yadda yadda, mas na verdade acho que o Bach de câmara, para essas pessoas, soa como música abstrata, tipo um Kandinsky do século 18. O lado dramático, épico, beethoveniano da música clássica é mais alienígena para esse público.

[AMIGO INTERNAUTA: o que você acha? Cartas para a redação!]

Das seis suítes que Bach criou, a minha predileta é mesmo a sexta. Como as demais, ela tem seis movimentos – cinco danças e um prelúdio. O que ela tem de diferente é sua expressão mais grandiosa (talvez fruto da tonalidade escolhida, ré maior), com o prelúdio menos sonhador e mais incisivo da série, repleto de sonoridades “sinfônicas”, por assim dizer.

A gravação que vou mostrar a vocês é de uma instrumentista francesa especializada em execução “historicamente informada”, Ophélie Gaillard. Os ouvintes mais acostumados às interpretações tradicionais de violoncelistas como Rostropovich e Fournier, ou de românticos como Ma e Maisky, vão estranhar. Eu adoro :)

Dukas

Sinfonia em dó maior

Último capítulo de nossa série “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”!

Últimos capítulos sempre são aguardados com ansiedade – afinal todos queremos ver casamentos, redenções e vilões sendo castigados, não é mesmo? ;-)

Nosso último capítulo não é estrelado por Tufão ou por Carminha, mas por Paul Dukas, um super compositor francês que não morreu cedo mas que ficou estigmatizado como compositor de uma obra só: o maravilhoso poema sinfônico “O aprendiz de feiticeiro” (há! esse mesmo, o do Mickey Mouse!).

Não, gente, Dukas compôs outras obras que merecem nossa atenção também. Uma é sem dúvida o balé “La Péri”. E outra é a sua única sinfonia, a Sinfonia em dó maior, de 1895, que fecha não somente nosso ciclo como também o próprio sinfonismo romântico francês.

Lembram-se de Chausson? Se a sinfonia de Chausson é a Sinfonia no. 2 de Franck, a de Dukas é a Sinfonia no. 3. Mas isso não é nenhum demérito! As duas obras são realmente GÊMEAS da sinfonia de Franck, mas têm encantos especiais e características próprias.

OK, a Sinfonia de Dukas cabe no mesmo molde de três movimentos e sua linguagem harmônica é similar à das irmãs – vários temas parecem sair diretamente da Sinfonia de Franck. Mas é fácil notar que a expressão de Dukas é bastante diferente. Enquanto Chausson e Franck são mais extáticos e se doam facilmente à reflexão, Dukas é mais dramático e agitado, com gosto especial por contrastes.

O primeiro movimento, muito vigoroso, demonstra bem a personalidade de Dukas. O segundo é idílico, com diversas passagens de uma profundidade deveras bruckneriana. O terceiro começa com força, direto ao assunto, e lembra por vezes Dvorák ou Wagner. A obra termina de maneira marcante, mas convencional.

Se não é a obra-prima definidora que é a Sinfonia de Franck, ou mesmo a peça adorável de Chausson, a criação de Dukas é interessante, um digno finale para nossa saga sinfônica romântica francesa. A partir de Dukas, o sinfonismo da França tomaria outros rumos – se tornaria moderno, com Roussel e Milhaud. Mas esse é assunto para outra série ;-)

Valeu! Segunda-feira que vem começa outra novela cá nesta Ilha. Ela se passará na Turquia e… não, mentira! :-P

Mignone

“Maracatu de Chico Rei”

Domingo de eleição, domingo de música brasileira cá na Ilha!

Já comentei aqui sobre Francisco Mignone, compositor brasileiro de primeira linha que infelizmente ainda é pouco reconhecido.

A obra mais célebre de Mignone é um balé com coro, “Maracatu de Chico Rei”, de 1933. De linguagem razoavelmente próxima a Falla e Respighi, com um bom tempero stravinskiano (“Petrushka” nunca está muito distante), o balé conta a história de um rei africano que, escravizado no Brasil, consegue alforriar sua tribo, integrante por integrante. A conquista é celebrada numa festa – o “Maracatu” – no qual há boa misturança de ritmos/ritos negros e brancos (até dançam o minueto!).

A parte mais famosa da obra é a “Dança de Chico Rei e da Rainha N’Ginga”, centroavante do trio de ataque do time dos cavalos-de-batalha orquestrais brasileiros. Atente à formação: esta “Dança” de Mignone, o “Mourão” de Guerra-Peixe e o “Batuque” de Lorenzo Fernandez. São obras sempre prontas para qualquer eventualidade – sei lá, vai que alguém precisa de um bis urgente? ;-)

Showcase à parte, o “Maracatu de Chico Rei” é obra muito bonita e importante, que TODOS OS BRASILEIROS DO MEU BRASIL-SIL-SIL deveriam conhecer de cor e salteado, de frente pra trás e de trás pra frente. É assim boa!

E daí vem aquela velha indignação com relação ao tratamento que a música brasileira recebe. Obra tão relevante, o “Maracatu” só tem duas gravações disponíveis. Resta ao ouvinte uma cruel escolha de Sofia: ou a excelência técnica com insensibilidade artística da gravação da OSESP ou a regência sensível com forças orquestrais e corais muito deficientes da versão mineira.

Para hoje, escolhi a versão da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Além da regência de David Machado ser muito mais simpática ao estilo meio moderno meio romântico de Mignone – ela utiliza o texto integral da obra. Por algum motivo desconhecido, Neschling em sua gravação com a OSESP optou por retirar várias partes (principalmente as “europeias” mais ao final). Pena, pois a OSESP soa magnificamente, muito melhor que a contraparte mineira. :-/

Não dá pra ser feliz no Brasil mesmo.

Henze

Concerto para piano no. 2

É sempre estranho quando um compositor contemporâneo consagrado morre. Para nós, ouvintes, tais nomes são eternos. Não deveriam morrer nunca. Mas…

Hoje faleceu o compositor alemão Hans Werner Henze. Filho atípico de sua geração, não seguiu fielmente o trend da época – tinha temperamento muito mais romântico do que matemático – mas foi profundamente moderno a seu modo. Utilizou sim a linguagem serial/pós-tonal típica da segunda metade do século 20, só que com mais viço e frescor do que o usual.

Compôs principalmente para o teatro, e compôs muito: muitas óperas, 10 sinfonias, dezenas de peças concertantes. Preciso confessar que nunca dediquei muito tempo à obra de Henze – tenho que conhecer mais.

Escolhi para mostrar aqui seu Concerto para piano no. 2, de 1967. Bem grande, em quatro movimentos, é um raro exemplo de música serial atraente. O primeiro movimento é atmosférico e lembra Schoenberg, por exemplo. O segundo é diferente: agitado, mil vezes mais interessante em termos de cor e ritmo. O terceiro volta ao clima do início do concerto, só que muito menos estático. O concerto termina complexo, alternando passagens ferozes, caóticas, com trechos bem reflexivos. A obra deixa uma impressão duradoura: séria, substancial, mas não inacessível.

RIP, Henze. A pessoa se vai, mas a música fica.

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Beethoven

Quarteto de cordas no. 11, “Serioso”

Sexta-feira, dia de VOCÊ DECIDE!

Não, hoje não :(

Por motivos de força maior – estou em viagem -, não pude lançar e acompanhar uma enquete nesta sexta. Assim, apelei para um recurso muito útil do Facebook: o post agendado. Na verdade, estou escrevendo isso na noite de quinta, enquanto vocês me lêem na sexta à tarde – são as maravilhas da tecnologia :)

Hoje o VOCÊ DECIDE se transformou em EU JÁ SABIA. Porque é óbvio que, em qualquer enquete que eu fizesse, o vencedor seria Beethoven. Claro! \o/

Por isso me adianto e apresento para vocês um dos quartetos de cordas mais FODAS do véi Ludwig: o Quarteto no. 11, “Serioso”. Curtinho, de expressão hiperconcentrada e agitada, esse quarteto composto em 1810 é símbolo por excelência do Beethoven mais feroz e tempestuoso. Recebido com incompreensão pelos contemporâneos, o “Serioso” é tanto uma obra-prima em si mesma quanto um ensaio incrível para os quartetos que Beethoven comporia no final de vida.

A obra ganhou esse apelido por causa do terceiro movimento, um scherzo duro e escuro, nada leve, com a curiosa marcação de tempo “Allegro assai vivace ma serioso” – alegre, bem vivo, mas sério. Descreve bem o clima da peça toda. BEETHOVEN HAD GUTS, my friends! \m/

OUÇA, OUÇA, OUÇA!

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Falla

Concerto para cravo

Osvaldo Colarusso, em seu blog na Gazeta do Povo, comenta hoje sobre o compositor espanhol Manuel de Falla. Vale a pena dar uma lidinha.

Gosto muito de Falla e conhecia pouco a história da sua vida. O post do Colarusso é revelador. Acho a obra de Falla fascinante, por oferecer, ao mesmo tempo, um “espanholismo” sensorial fervilhante e uma enorme austeridade.

Sua composição que melhor retrata isso é o Concerto para cravo, de 1926. “Concerto” é um nome engraçado para retratar uma peça que na verdade é para cravo e cinco instrumentos (flauta, oboé, clarinete, violino e violoncelo): é música de câmara, mas é também perfeitamente concertante!

A obra chama a atenção pelo uso do cravo – um instrumento associado ao barroco – em pleno século 20. Na época da composição do concerto, isso foi certa moda. Poulenc também compôs uma peça assim, o “Concerto campestre”, poucos anos antes. A inspiração de ambos os compositores foi Wanda Landowska, cravista polonesa responsável por reabilitar o instrumento para as platéias modernas.

Enquanto o concerto de Poulenc é gracioso, meio gaiato, o de Falla é duro e seco, sem no entanto renunciar a momentos de extrema beleza (ouça o segundo movimento! que coisa maravilhosamente original e emocionante!).

Leia o texto do Colarusso. Depois volte aqui e ouça o concerto. É demais de bom! ;-)

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Bartók

Música para cordas, percussão e celesta

Hoje é quarta, e quarta aqui na Ilha é dia de condecorar grandes obras-primas com o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO \o/

E a agraciada do dia é a “Música para cordas, percussão e celesta”, do húngaro Béla Bartók. Obra de 1936, composta para atender a uma encomenda do regente e milionário suíço Paul Sacher, rapidamente entrou no cânone universal. É das maiores obras do século 20 e também de todos os tempos!

Vejamos: ao bolar a obra, Bartók optou pelo controle e pela perfeição. A obra é instrumentada para dois grupos de cordas completos, colocados em lados opostos do palco, mais um grupo de percussão (xilofone, caixa, tímpanos etc) que fica no centro (as posições são especificadas pelo autor). E a celesta, que é este instrumento aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Celesta. Ah, e tem um piano também! Ele não está especificado no título. Seria o piano do time das cordas ou do time da percussão? Ou do time da celesta? :-P

(Eu particularmente voto em #TeamCelesta! #TeamCelesta FTW!)

A peça tem quatro movimentos, alternadamente rápidos e lentos. O primeiro é lento, uma fuga impressionante, que cresce e cresce e cresce e cresce em intensidade… até explodir e voltar ao início. O segundo é um grande jogo de tênis entre as duas orquestras de cordas (não se esqueça de escutar com fones de ouvido!). O terceiro é um adagio tipicamente “noturno”, repleto de climas e ruídos misteriosos, exatamente como sons da natureza. E o quarto adota a expressão da dança popular, agitada e alegre, meio selvagem.

Tudo isso é amarrado pelo uso da chamada “sequência de Fibonacci” e pela razão áurea que a define. Sem entrar em complexidades:: a razão áurea é a proporção considerada perfeita, de 3:5 (pense num retângulo de 3 x 5 cm). A sequência de Fibonacci é uma sequência de números em que cada item é a soma dos dois itens anteriores: 0-1-1-2-3-5-8-13. Note o 3-5 ali, e os equivalentes 5-8, 8-13 etc: todos são pares em proporção áurea.

Bartók utiliza conscientemente todos os pontos de razão áurea para demarcar formalmente sua obra: eventos importantes, como mudanças de movimento, tonalidade, ritmo, intensidade etc, tudo acontece em proporção áurea. A sensação que passa ao ouvinte é a de perfeição e inevitabilidade – nada parece arrastado ou alongado, mas natural e precisamente colocado. Matemágica, meus caros! :)

Último ponto: a peça não se chama sinfonia, concerto, sonata ou suíte. Ela se chama simplesmente “música”. Bartók, no título, consagra a abstração a que almejava. É música que não significa nada, música que contém perfeitamente a si mesma (mesmo com tantas referências ao folclore e à natureza!). Tal obra merece mesmo um título assim: “música”. E ponto final.

Amigos, amigas, por mais que eu escreva, nunca será o suficiente. Acima de qualquer descrição, a “Música para cordas, percussão e celesta” é simplesmente DO GRANDE CARVALHO!

O melhor que temos a fazer agora é ouvi-la. De joelhos, é claro. ;-)

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Martinu

Noneto

“Outonal”.

Em arte, geralmente essa palavra indica criações que têm certo clima melancólico, mas não depressivo. Há algo de esperança e sutileza nesse tipo de expressão, sempre realizada em meios-tons.

Na vida, geralmente associamos esse termo à velhice. A pessoa em seu outono: uma fase em que a nostalgia de uma juventude perdida e a consciência de fim de jornada se unem à sabedoria própria da experiência.

Na história da música esses dois outonos se fundiram com alguma frequência. O caso clássico é o de Brahms, mas gosto muito de lembrar do tcheco Bohuslav Martinu, que compôs um par de obras realmente encantadoras em seus últimos anos de existência.

Martinu é uma das personalidades musicais mais marcantes do século 20. Seu estilo, tal qual o de Richard Strauss, é único e imediatamente reconhecível. E olha que sua trajetória, tal qual a de Stravinsky (ou a de Picasso, nas artes plásticas), teve inúmeras fases: o estilo parisiense, próximo dos “Six”; o estilo neoclássico, aparentado ao de Bartók; o estilo “americano”, grandioso e romântico; e o estilo “impressionista”, livre e colorido.

A todas essas etapas soma-se um epílogo: justamente a fase outonal, de obras como a Rapsódia para viola e orquestra e este Noneto que apresento hoje.

O Noneto, para flauta, oboé, clarinete, trompa, fagote, violino, viola, violoncelo e contrabaixo, foi composto em 1959 – último ano de vida de Martinu. É dividido, como usual para o compositor, nos três movimentos clássicos.

Martinu morreu no exílio, na Suíça. Ele saiu de sua Boêmia natal em 1923 e, com guerras e revoluções no meio do caminho, acabou nunca voltando. O Noneto parece expressar bem a saudades da música de sua terra, vista sob o olhar cansado mas afetuoso de um artista septuagenário. É lindo até não poder mais, de uma ternura realmente infinita. Como que uma obra tão maravilhosa assim não é mais conhecida, mais ouvida, mais tocada?

Martinu é dos grandes. Vou encher vocês de tanto Martinu cá nesta Ilha ;-)

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Chausson

Sinfonia em si bemol maior

Senta que lá vem história!

E não uma história qualquer, mas a “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”, que está chegando ao seu penúltimo capítulo.

~PREVIOUSLY ~

O renascimento da sinfonia francesa começou com Saint-Saëns e sua Terceira, em 1887, que bebeu direto da fonte cíclica lisztiana. Em seguida, a febre: d’Indy e a “Sinfonia sobre um canto montanhês francês”, de 1888, e principalmente Franck e sua Sinfonia em ré menor, de 1889.

~ TONIGHT ~

Em 1890 foi a vez de Ernest Chausson. Esse incrível compositor francês, que viveu tão pouco e criou música tão bela, não poderia ficar de fora. E mandou muito bem: sua Sinfonia em si bemol maior é digna companheira de Franck e Saint-Saëns.

No caso de Franck, não só companheira como IRMÃ GÊMEA. Chausson reproduziu a forma franckiana com perfeição: três movimentos, tema cíclico, introdução lenta, finale agitado com tema em estilo coral, redenção no finalzinho. Em vários trechos é fácil se distrair e imaginar-se ouvindo Franck: harmonias, transições, a cor geral… enfim, o estilo é bem parecido.

O que Chausson fez de diferente? Ao contrário do que parece, não pouca coisa: a forma é mais concisa, a expressão é mais dramática, a orquestração é mais equilibrada. E, principalmente, a linguagem parece apontar mais para o futuro: Debussy, que era amigo pessoal de Chausson, não está tão longe assim.

Vou ser rebelde um pouco e arriscar: na maioria das vezes GOSTO MAIS da Sinfonia de Chausson do que da de Franck.

Concorda? Não concorda? Ouça e mande sua opinião. ;-)

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