Vivaldi

Concerto para fagote, RV. 484

Já falamos de Vivaldi aqui? Não? UIA!

Antonio Vivaldi, esse napudão de Veneza, é um baita de um injustiçado. Autor de obras imensamente populares como os concertos “As quatro estações”, Vivaldi é comumente classificado como um autor menor (ou como um cara que compôs 490 vezes o mesmo concerto, como disse Stravinsky). É música acessível, que agrada imediatamente? Sem dúvida! É música cheia de truquezinhos e macetes estilísticos? Muitas vezes. Mas é também música da mais alta qualidade, incrivelmente inventiva e, principalmente, repleta de personalidade. Pá pum, direto ao assunto, com muito vigor – esse é Vivaldi.

Padre, empresário de ópera, professor. Vivaldi foi de tudo. Gosto particularmente de sua faceta como tutor de uma instituição beneficiente para moças órfãs ou abandonadas, a Ospedale della Pietà. Lá elas ganhavam abrigo e aprendiam música. Formavam uma orquestra, que Vivaldi tornou sensacional. Compôs muitos concertos para as suas meninas, entre elas verdadeiras virtuoses nos mais diferentes instrumentos. Por exemplo: 37 concertos para fagote. TRINTA E SETE! Para FAGOTE! :-o

O mais famoso desses 37 é este Concerto para fagote em mi menor, catalogado como RV. 484, provavelmente composto na década de 1730. O concerto se inicia com um tema memorável nas cordas, complementado por frases proto-minimalistas do fagote. Philip Glass avant la lettre! O segundo movimento é um andante elegíaco, solene, uma espécie de procissão lenta meio arcaizante, meio sentimental. O terceiro é furioso – começa incrível, a todo gás – e demonstra bem o lado “rústico” de Vivaldi (que, sei lá por quê, soa para mim como o mais “moderno”).

É bem legal. Ouça, ouça novamente. Ouça mais uma vez. É tão curtinho… sempre deixa aquela vontade de “quero mais”, não? ;-)

[A gravação abaixo é clássica: I Musici, o famoso grupo romano, veteraníssimo da música antiga. Vendeu discos como água. Os grupos especializados em instrumentos de época e “interpretação histórica” que vieram depois têm som muito diferente, é claro. Mas os registros do I Musici ainda são referências de musicalidade e elegância.]

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Brahms

Concerto para piano no. 2

Todo adolescente tem um herói. O meu foi Johannes Brahms, e para mim a sua proeza épica foi o Concerto para piano no. 2, de 1881.

Nada mais justo que ele ganhe o SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO! \o/

Conheci Brahms no começo dos anos 90 e entre as obras à minha disposição, estava este Concerto no. 2. Achei todas meio complicadas, mas aos poucos fui me apaixonando pela Sinfonia no. 4, pelo Concerto para violino, pelas obras para piano… e nada de entender o Segundo Concerto. Fui tentando, fui tentando, diariamente. E, de repente, CLIC. Saquei a música. E, quando me dei conta, estava totalmente rendido.

Configurou-se aí um vício. Eu não conseguia ficar um dia sem ouvir o concerto. Criei um ritual diário, que perdurou por certo tempo: todas as noites, antes de dormir, já deitado, no escuro, ouvia a gravação de Sviatoslav Richter. Era definitivo. O Concerto no. 2 de Brahms não poderia ser outra coisa senão a minha obra musical favorita, minha obra de arte favorita, o maior feito desse herói barbudo e tomador de chope.

Brahms é assim mesmo. Por trás daquela cara de profeta bíblico e das formas perfeitas e sisudas de concertos, sinfonias e sonatas cuidadosamente estruturadas, um BAITA DE UM CORAÇÃO PEGANDO FOGO. Só que não é fácil encontrá-lo.

O Concerto no. 2 é uma obra revolucionária para os padrões brahmsianos. Ao contrário de suas irmãs, ele foge da roupagem tradicional: ao invés de três movimentos, tem quatro. Entre o allegro inicial e o andamento lento, um scherzo tempestuoso e complexo, de sabor meio cigano, com uma das seções centrais mais intensas do repertório.

Mas voltemos ao começo. O concerto se inicia com a trompa, que logo ganha a companhia do piano. E, surpresa, uma pequena cadência (escrita) para o solista, coroada pela exposição completa do tema inicial pela orquestra. Depois, uma festa de desenvolvimento temático e sons inquescíveis – é música de qualidade ABSURDA, caríssimos, daquelas que temos vontade de emoldurar e pendurar na parede.

No monumento lento – ops, movimento! ato falho! -, Brahms adiciona ao concerto um segundo solista temporário, o violoncelo, que é quem de fato recebe a função de carregar o (maravilhoso) tema, em estilo de cantilena. O piano não repete esse motivo principal. Só o desenvolve, o varia, cria encima dele. É bonito demais da conta, sô!

O finale é leve e divertido, um rondó-sonata também cheio de toques ciganos (ou “húngaros”, como se dizia à época). Brahms nunca esqueceu o que aprendeu em seus anos de adolescente, que passou excursionando com o violinista húngaro Eduard Reményi.

Eu também nunca me esqueci do que aprendi quando adolescente, época em que passei ouvindo esta música maravilhosa. Obrigado, Johannes. Eu não poderia ter tido um herói melhor.

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Schubert

Sonata para piano no. 21, D. 960

E hoje chegamos ao último capítulo de nossa série “1828: o último ano de Franz Schubert”. Vamos comentar a Sonata para piano em si bemol maior, D. 960, obra composta pouco depois do Quinteto que ouvimos na semana passada. Schubert morreria logo em seguida.

Ah, claro! Preparem os lenços. Essa sonata é das obras mais tristes de todos os tempos. É de uma beleza tão profunda, e tão profundamente triste, que chega até a perturbar: é válido sentir prazer estético ao ouvir música assim TÃO melancólica? Seria uma espécie de sadomasoquismo? É esquisito. Mas deixemos para lá: a peça é tão maravilhosa que perdoamos nosso próprio pecadilho.

Schubert compôs, em seus últimos meses, três sonatas para piano que valeriam toda uma carreira. A penúltima, D. 959, pertence ao meu panteão particular, aquele restrito aos favoritos favoritos. O que é aquele finale? PUTZ. Mas é mesmo a última sonata que tornou-se o símbolo da produção pianística de Schubert e até de seu estilo maduro como um todo. Inegavelmente ela É a sonata schubertiana.

A sonata D. 960 começa com vários ARREPIOS. Um tema inacreditável, uma espécie de marcha-canção lenta, já dá o tom de melancolia resignada de toda a obra. Quando o tema cessa, um trilo esquisito surge, sombrio. E o motivo inicial volta a tocar, do zero, como se nada fora. Cacete, é de gelar os ossos! Surge um segundo tema, mais rítmico, e toda uma exposição, imensa, que é repetida. Após, um desenvolvimento de SUSPENDER RESPIRAÇÕES. Vamos a tons distantes, temas diferentes aparecem, o motivo principal ressurge… acontece de tudo, em pouquíssimo tempo. Termina e tudo começa de novo, lentamente melancólico, apesar dessa tensão recém acontecida. Pois que o movimento termina justamente com aquele trilo sombrio. É devastador.

Prepare o coração para o Andante sostenuto que vem a seguir. Uma melodia meio quebrada, mantida por um baixo aparentemente imóvel, que te carrega para lugares de incríveis invenções harmônicas e desolação total. É lindo até não poder mais, quase uma apoteose da depressão. Mas… QUE MÚSICA, amigos!… nos permitimos tal desolação, pois a seção central surge com um tema mais rápido à maneira de um hino – ao estilo do finale da D. 959 – e traz ares mais otimistas. Não se envergonhe: aqui pode chorar. Eu avisei…

Meia hora se passou, já nos emocionamos à beça e ainda estamos na metade da sonata. Surgem agora um scherzo bem rápido e leve, tipicamente schubertiano, que limpa muitas das nuvens do movimento lento; e o finale vigoroso, com seu início peculiar, em suspense, de caráter bem beethoveniano. Mas não é Beethoven – é Schubert, e ele se permite alguns devaneios. O chão volta abruptamente no final: a sonata termina rápida e furiosamente.

Mas a mente do ouvinte – essa danada – ainda está lá na primeira metade da obra, sofrendo e se assombrando com tamanha beleza. Como culpá-la?

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Schumann

Concerto para violoncelo

Já conversamos algumas vezes sobre a seleção dos grandes concertos para violino do repertório: Beethoven, Mendelssohn, Brahms, Tchaikovsky e Sibelius. O violino é o FODÃO dos solistas, junto com o piano, mas existem outras seleções também, é claro!

Por exemplo, a do violoncelo. E sabe o que é mais curioso? Nenhum dos selecionados do violino compuseram concertos para violoncelo (Brahms foi o que chegou mais perto, com seu Concerto duplo). Me ajudem na seleção celística: Schumann, Saint-Saëns 1, Dvorák, Elgar e Shostakovich 1. Esqueci algum?

É fácil ver na lista acima que o violoncelo demorou para se impor como instrumento solista. Foi realmente só a partir do romantismo que ele começou a ganhar repertório, com exceção talvez dos concertos de Haydn. E o primeiro concerto para violoncelo a se tornar célebre foi o concerto de Robert Schumann, composto em 1850.

Schumann dedicou a maior parte da carreira à música para piano. Imaginou ser pianista, mas um esquisito acidente com seus dedos, provavelmente sequela indireta de sífilis, interrompeu suas pretensões. Azar dele, sorte nossa: o mundo ganhou um dos maiores compositores da história.

Depois de casar – uma história muito complicada e longa -, Schumann começou a tentar outros gêneros. Começou com canções (das mais belas do romantismo), passou pela música de câmara e chegou à música sinfônica. Compôs quatro sinfonias, todas partes importantes do repertório, um maravilhoso Concerto para piano, um Concerto para violino bastante problemático e este Concerto para violoncelo muito pioneiro.

Em três movimentos tocados sem interrupção, o concerto tem um tom outonal, semi-melancólico, bastante evidente e que casa muito bem com o próprio som do violoncelo (e com a orquestração meio opaca típica de Schumann). A obra começa com um tema incrível, muito bonito e plenamente desenvolvido pelo solista, antes da orquestra o tomar. O primeiro movimento, bastante longo, é sucedido por um adagio muito curto e lírico e, em seguida, por um rondó mais vivo, anunciado pelo retorno do tema principal do início do concerto. Antes da coda final, uma cadência acompanhada, escrita, muito eloquente.

A música orquestral de Schumann é controversa. A instrumentação pesada é uma questão óbvia, e o relativo conservadorismo da forma é desapontador para alguns, principalmente se pensarmos em peças para piano como a Fantasia em dó maior. Mas a sua música atinge tal nível de emoção e intensidade que é impossível ficar alheio a ela. Fala mais à alma que aos ouvidos – é maravilhoso demais.

Curta! E bom fim-de-semana!

[Abaixo, vídeo histórico de Pierre Fournier e Jean Martinon. Obrigado, YouTube!]

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Holmboe

Sinfonia no. 5

Interessante ver como, tirando países centrais como Alemanha, Itália e França, na maioria das vezes reduzimos a produção de toda uma cultura a poucos autores, em geral um para cada época.

No caso da Dinamarca, sem dúvida o criador musical mais conhecido é Carl Nielsen. Mas ele teve antecedentes e descendentes. Vários, aliás, mas apenas dois ainda são lembrados: o romântico Niels Gade, amigo de Mendelssohn, e Vagn Holmboe, um autor totalmente pertencente ao século 20, contemporâneo exato de compositores como Camargo Guarnieri e Aaron Copland.

A obra de Holmboe é fascinante. De estilo firmemente neoclássico mas muito pessoal, Holmboe ficou conhecido por suas treze excepcionais sinfonias, mais uma série grande de sinfonias e concertos de câmara, todos muito originais.

A carreira sinfônica de Holmboe começa propriamente na Segunda Sinfonia, uma obra vigorosa, realmente impressionante. Escrita para um concurso, definiu a linha básica de toda a sua produção madura: três movimentos, formas muito claras, harmonias bastante sequinhas e diretas, ritmos vigorosos e melodias curtas e marcantes.

Esse estilo atingiu seu ápice na Quinta Sinfonia, de 1944, para mim a melhor de sua produção sinfônica. Dividida em três movimentos bastante contrastantes, ela é repleta de momentos memoráveis. O primeiro é uma forma-sonata clássica, toda baseada em um tema que curiosamente tem algo que me lembra “Caravan” – sim, o standard de jazz imortalizado por Duke Ellington.

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A música é toda aspereza e potência. O segundo movimento continua nesse clima agreste – é uma espécie de marcha lenta, com uma harmonia muito original. O finale contrastante começa a todo vapor, com figurações rápidas nas cordas que criam um clima mecânico, repleto de um “motorismo” muito típico da música da época.

A sinfonia é muito boa, provavelmente até melhor que a maioria da produção neoclássica dos anos 1940! Se você curte Martinu, Camargo Guarnieri, Harris ou mesmo autores mais antigos como Roussel, Honegger e Hindemith, vai gostar muito de Holmboe. Eu agarântcho! \o/

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Schubert

Quinteto de cordas

Continuamos nossa saga por aquele que é, provavelmente, o ano mais miraculoso da história da música: 1828, quando Franz Schubert nos presenteou com obras incríveis, um pouquinho antes de morrer.

Foi um período de atividade impressionante. No verão desse ano, Schubert compôs aquela que é provavelmente a sua mais importante obra de câmara e uma das maiores de todos os tempos: o seu Quinteto de cordas em dó maior.

O Quinteto, instrumentado para um quarteto de cordas com violoncelo adicional (não viola, como usual), apresenta todas as características da última fase schubertiana, elevadas a um grau inédito de pureza e intensidade. Formas gigantes – só o primeiro movimento tem cerca de 20 minutos! -, constante oscilação maior-menor e, principalmente, TONELADAS de momentos ARREPIO.

Prepare-se: é uma montanha russa de emoção, maravilha melódica, beleza harmônica de tirar o fôlego e momentos FODAMENTE SUBLIMES do início ao fim. A obra começa com um enorme pórtico para esse mundo em que a nossa relação com o tempo é totalmente diferente. Solene e dramática, essa introdução leva ao famoso tema do “pam-pam-pam”, totalmente diverso. E essa mistura de ingredientes contrastantes culmina em um desenvolvimento incrivelmente intenso e emocionante.

Chegamos ao movimento lento. Ah, o movimento lento…! Um adagio que foge de qualquer descrição. Ele contém talvez a música mais bela e comovente (e triste) jamais composta. E sua seção central, desesperada e turbulenta, acrescenta uma camada extra de patetismo e emoção a essa música que já está no extremo da sensibilidade. Olha… é teste para cardíaco!

Tem mais? Tem muito mais! Um scherzo de arrancar os telhados da casa e um finale rápido, meio cigano, que tentam tornar o ambiente mais leve. Mas a impressão dos dois movimentos iniciais permanece lá, na memória, para sempre.

Hoje não é quarta, mas vamos abrir uma exceção: o Quinteto de cordas de Schubert é DO GRANDE CARVALHO demais! Ouça, ouça, ouça!

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Villa-Lobos

“Bachianas brasileiras” no. 2

Você decide!

Não :-/

Escrevo este post ainda na quinta-feira para que você o leia na manhã de sexta. É que estarei (ops, para você que me lê, já estou. confuso escrever para o futuro!) no Rio de Janeiro – a trabalho, puxa – e não vou conseguir acompanhar o resultado da enquete e postar de acordo.

Mas, em homenagem à Cidade Maravilhosa, deixo com vocês uma obra maravilhosíssima de um compositor carioca mais maravilhoso ainda: a “Bachianas brasileiras” no. 2 de Heitor Villa-Lobos \o/

Como já comentei, as “Bachianas” são suítes nas quais Villa-Lobos engenhosamente une a linguagem barroca à música brasileira. Villa compôs 9 delas, para formações diversas, entre 1930 e 1945. A de número 2 é para orquestra reduzida, com percussão típica, e foi escrita em 1930. Ela introduz na série o esquema de quatro movimentos que seria seguido à risca até a Oitava, com exceção da curta e inusitada Sexta (para flauta e fagote).

Os movimentos das “Bachianas” explicitam a ligação entre o “bachiano” e o “brasileiro”. Nesta Segunda encontra-se o trecho isolado mais famoso de Villa-Lobos: o finale, dito “O trenzinho do caipira”, uma descrição mega exata de uma maria-fumaça passando pelo interior do Brasil.

Até esse final alegre e virtuosístico (embora docemente nostálgico), a “Bachianas” no. 2 é uma obra um tanto reflexiva. Os dois movimentos iniciais começam lentos e melancólicos e desenvolvem mais fortemente a imitação do estilo barroco. Trechos mais agitados se alternam, e daí eles trazem à tona o lado brasileiro.

Gosto de usar o segundo movimento como exemplo, dito “O canto de nossa terra” (ou “Ária”). Após uma solene introdução lenta, perfeitamente bachiana, o piano cria um ritmo sincopado sobre o qual o saxofone começa a cantar. A associação é incrível e óbvia: é um ponto de umbanda! Passei anos ouvindo a peça sem entender. Depois que saquei, a sensação só se intensificou: é lindo demais, arrepiante.

O terceiro movimento, rápido, já começa tipicamente villalobiano, com um solo incrível de… trombone! A orquestração de Villa-Lobos é endoidecedora. É legal demais, e prepara perfeitamente o terreno para o famoso “Trenzinho” e seus guinchos.

OBRIGATÓRIO! Se você, brasileiro desta varonil pátria verdeamarela, não conhece essa música de cor e salteado, shame on you! Puna-se com uma hora de concertos de Paganini e depois limpe seus ouvidos, sua mente, sua alma com este Villa-Lobos mais que sensacional. JÁ! :-D

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Britten

“Peter Grimes”, quatro interlúdios marinhos

Santa Cecília!

É o dia dos músicos e também o aniversário do principal compositor inglês do século 20, Benjamin Britten.

Britten ocupa uma posição realmente especial na música moderna. Fez música tonal, neo-romântica, em plenos anos 1940, 50, 60. OK, vários outros fizeram. No mundo anglófono tal postura era relativamente comum. Tem Vaughan-Williams, uma geração mais velho, mas posso me lembrar de Walton ou de americanos como Barber e Hanson. A questão é: ao contrário da maioria de seus contemporâneos tonais, Britten conseguiu criar e manter uma linguagem profundamente pessoal. É um feito e tanto!

O melhor dos esforços de Britten foram dedicados à ópera. Seu primeiro grande sucesso no teatro foi “Peter Grimes”, de 1945. A história da peça é a seguinte: Peter Grimes, um pescador de uma vilinha do litoral da Inglaterra, é acusado de matar seu assistente. Ele alega acidente e, apesar da má vontade dos moradores locais, é inocentado. Grimes precisa de outro auxiliar e consegue, graças a uma amiga, um garoto. No primeiro trabalho ele acaba se machucando. A população desconfia do arranhão no menino e Grimes foge com ele para o mar. Na pressa de entrar no barco, o assistente cai do penhasco e morre. Quando Grimes volta para a vila, após algum tempo, a população se dá conta da morte do garoto e obriga Grimes a fugir com seu barco, para nunca mais voltar.

É uma história sombria, que lida basicamente com o tema da proscrição: o quanto uma comunidade repressora, semi-acéfala, consegue isolar um indivíduo. (Fácil ligar essa temática à própria aflição de Britten enquanto homossexual em uma sociedade hostil.)

Britten separou quatro trechos orquestrais da ópera em uma suíte de concerto chamada “Quatro interlúdios marinhos”. Cada um dos interlúdios representa não um ponto crucial da ação, mas uma atmosfera fundamental. O primeiro retrata o amanhecer no litoral inglês – sombrio, lento, cheio de sonoridades impressionantes. O segundo é uma descrição do domingo de manhã e dos moradores da vila indo à igreja – muita inquietação escondida atrás da aparente normalidade. O terceiro é a noite no mar, solenemente construída. O quarto é menos climático. Trata-se de uma tempestade. É o ponto mais convencional da suíte, mas que a faz concluir de maneira marcante.

A música é absolutamente impressionante. Sente-se em cada nota a desolação do ambiente e também do personagem principal, oprimido pela massa. A harmonia é milagrosa – ainda ligada à tradição, mas repleta de novidades incríveis. O estilo é absolutamente único, totalmente diferente do esperado para uma obra tonal de 1945. E, acima de tudo, é impossível não se emocionar com a beleza dos sons.

Audição obrigatória! E tá fácil: é só clicar ;-)

Mendelssohn

Concerto para violino

Carvalho!

Chegou o momento que todos esperavam: quarta-feira, o dia de homenagearmos grandes, enormes, imensas, gigantescas, gargantuescas obras-primas da histórias, com o prestigiosíssimo SELO DO GRANDE CARVALHO. \o/

O selo é garantia absoluta de altas emoções. Hoje ganha o prêmio o maravilhoso Concerto para violino de Felix Mendelssohn, de 1844. Última obra orquestral do compositor, tornou-se rapidamente um dos concertos mais populares do repertório – muito merecido!

Antes mesmo de Liszt (seu Concerto para piano no. 1 é de 1849), o concerto de Mendelssohn espantosamente adianta alguns recursos típicos da forma cíclica lisztiana. Vejamos: movimentos interligados, tocados sem interrupção, alguns temas levemente derivados uns dos outros, a cadência colocada no desenvolvimento do primeiro movimento (e por isso é escrita e não deixada a cargo do solista: tem função formal)… são várias novidades.

(E Liszt ainda tinha a coragem de chamar Mendelssohn de provinciano e conservador? Qualé!)

O concerto começa de maneira bem diferente do de Beethoven: o solista atacando o tema principal, antes da orquestra. E que tema maravilhoso! O movimento evolui para a super cadência não-improvisada, que serve de ápice do desenvolvimento e que consegue confundir: onde estamos? Ficamos assim, meio perdidos, até que o tema inicial volta e demarca claramente: estamos no primeiro movimento, oras!

O allegro inicial termina e uma nota sustentada no fagote faz a ponte diretamente para o maravilhoso andante, de intenso lirismo, que caminha para uma seção central mais escura e dramática. Acaba e… o violino imediatamente começa uma espécie de cadência de transição, derivada do tema do início do concerto. Os ouvintes ficam nesse suspense por alguns segundos, até os metais anunciarem claramente o último movimento: um rondó brilhante, rápido e virtuosístico – um finale DO GRANDE CARVALHO para um concerto idem!

Outros grandes concertos para violino surgiriam depois. O de Brahms, o de Sibelius, o de Tchaikovsky. Antes dele, o gigante, o concerto de Beethoven. Mas o que permanece eternamente fresco no repertório, como se tivesse sido composto ontem mesmo, é o de Mendelssohn. Ele faz parte da seleta categoria das obras que parecem viver em eterna primavera :)

Dvorák

Sinfonia no. 8

Sinfonia de Dvorák!

Aposto que você pensou na Nona Sinfonia, a celebérrima “Do novo mundo”. É, sem dúvida, sua sinfonia mais famosa, uma obra belíssima, muito marcante pela mescla que faz dos estilos boêmio e americano.

Mas o papo hoje é outro: vamos ouvir a Oitava Sinfonia, uma obra absolutamente maravilhosa, composta alguns anos antes, em 1889, quando Dvorák ainda não havia se mudado para os Estados Unidos. Que música FODA, meus amigos! E relativamente pouco conhecida. E daí podemos botar toda a culpa na Nona – sua fama é justa, muito justa, justíssima, mas teve o efeito colateral de eclipsar as incríveis sinfonias anteriores.

Vamos reparar a injustiça, pois! Ao contrário da Nona, cheia de novidades estilísticas, e da Sétima, densa e dramática, a Oitava é a mais plenamente dvorakiana de suas sinfonias. O allegro inicial começa de cara com um tema bonito de arrancar os cabelos e continua com música meio pastoral, plena de sol e calor (mas com o obrigatório momento de tensão no desenvolvimento, claro, com o tema principal recapitulado em alta voltagem! it’s Dvorák! it’s glorious! it’s great!).

O segundo movimento não é tão lento, nem tão sombrio. É calmo, plácido, com vários momentos de certa agitação, (quase) sempre no clima alegre e otimista da sinfonia. Vich, o que é esse solo de violino? O terceiro movimento – surpresa! É uma valsa! Delicada, muito bela, meio lenta, com um trio não-contrastante. Ao evitar o scherzo em estilo beethoveniano (que se transformou no furiant tcheco em ocasiões anteriores), Dvorák aqui adere ao modelo brahmsiano de terceiro movimento moderado, ao estilo de intermezzo. Funciona maravilhosamente.

O finale é assombroso. É um tema com variações de sabor arcaizante e estranhamente moderno. Metais, tímpanos, muita mudança de clima e uma doideira geral que só encontro similar no finale da Sexta de Nielsen. É demais, e quando termina… bom, quando termina dá vontade de ouvir tudo de novo…!

[O vídeo abaixo, de Karajan em Viena, é maravilhoso musicalmente, mas traz aquela claustrofobia típica de seus filmes. Herr Dirigent gostava de retratar suas orquestras como balaios de gente amontoada? Vai entender.]