Schubert

Sinfonia no. 9, “Grande”

Olá! Hoje é segunda e segunda é dia de série aqui na Ilha Quadrada. Na semana passada encerramos a série dedicada ao desenvolvimento da sinfonia romântica francesa. Foi uma longa jornada, de 1855 a 1895 – quarenta anos e sete compositores diferentes.

Hoje vamos iniciar uma nova série, dedicada a outra jornada, tão profunda quanto a francesa, mas realizada em poucos meses por apenas um compositor. Bem-vindos a “1828: o último ano de Franz Schubert”.

Imbuído por um espírito wagneriano, dividi a série em quatro capítulos e um texto preliminar. Então são 5 capítulos? Sim, mas também são 4, pois o primeiro é apenas um início para os demais, que aí sim são capítulos de verdade. Entendeu? Nem eu :)

Chega de lero-lero. Vamos a 1828. Franz Schubert tinha apenas 31 anos e já estava em seu último ano de vida. Solitário, doente, apenas começando a ter sua já monumental obra reconhecida pelo público, Schubert não era um jovem exatamente feliz. Mesmo melancólico, de humor oscilante, passava por um período incrivelmente criativo. E compôs uma série de obras-primas impressionantes, que tornaram 1828 um ano de lenda para a história da música.

Entre essas obras, a sua última sinfonia, a Nona, em dó maior, conhecida como “Grande”.

PARA PARA PARA!

Será mesmo? Desde que o manuscrito da obra fora apresentado por Ferdinand Schubert, irmão do compositor, a Robert Schumann em 1838, sempre se acreditou que a “Grande” teria sido composta no último ano de seu autor. Mas, de lá pra cá, diversos estudos têm apontado que a sinfonia foi de fato escrita antes, em 1825.

Convenhamos: difícil não se sentir impelido a incluir a “Grande” como uma das obras-primas de 1828. Catalogada pelo musicólogo Otto Erich Deutsche como D.944 (a lista cronológica termina no 965), obra de fôlego, de “durações celestiais” (como descrita por Schumann), esquecida por uma década… Então convencionamos assim: é de 25, mas membro honorário da classe de 28 :)

A Nona Sinfonia de Schubert é uma obra fascinante. Ganhou o apelido de “Grande” para diferenciá-la da Sexta Sinfonia, de 1818, também em dó maior. Mas é grande mesmo: grande em duração, grande em seu escopo monumental, grande em suas ideias.

Ela começa com um tema lento nas trompas que já introduz o ouvinte a um mundo onde a noção de tempo é diferente. Será assim até o final da obra. Em seguida, um primeiro movimento no qual acontece de tudo um pouco. E depois dessa linda jornada, bem no final, olha lá o tema das trompas fechando o ciclo! Sensacional!

A “Grande” não tem exatamente um movimento lento. O segundo andamento, dito Andante com moto, é na verdade um intermezzo de vastas dimensões e clima perpetuamente inquieto. Esse clima é transmitido a um ansioso scherzo, cujo trio é uma espécie de cantilena de doçura infinita. Que maravilha! O Finale vai além no motorismo e na ansiedade acumulada nos movimentos anteriores, e termina a sinfonia com adequada monumentalidade.

Esta Nona é sem dúvida a maior sinfonia de Schubert, apesar da célebre “Inacabada”, e também das grandes sinfonias da história. Schumann ficou louco (ops) quando a conheceu. Convenceu Mendelssohn a estreá-la, finalmente, em 1839, e se sentiu estimulado a compor suas próprias sinfonias (a Primeira, “Primavera”, é de 1841). Desde então, de obra esquecida, a “Grande” nunca mais saiu do repertório. Viva! \o/

Fiquem com ela. E preparem-se: na semana que vem, vamos direto a 1828!

(Hein, hein? Repararam que neste fim-de-semana não tivemos atualização? Anotem aí: Ilha Quadrada, diariamente, de segunda a sexta!)

Mozart

Requiem

[Post trazido pelo AMIGO INTERNAUTA. E não é Beethoven! Uia!]

Não sou um cara religioso, muito pelo contrário. Mas gosto muito de música sacra. Acho que isso tem um motivo. Peguem travesseiros, mantas, fiquem confortáveis, pois vou começar a viajar na maionese. :-P

Por temperamento, sou formalista. Não, não sou um sujeito formal – prezados leitores, por obséquio, por meio desta, atenciosamente. Vocês sabem que não :) Sou formalista – isto é, gosto de forma, de estrutura, de ver COMO as coisas são feitas e de bolar MANEIRAS de se atingir certos objetivos. Um cara que gosta mais do caminho do que do destino, digamos assim.

Daí vem minha adoração pelo gênero sinfônico, essencialmente formalista e abstrato. Cada obra nesse mundo de música absoluta é uma batalha entre a tradição estabelecida e a inovação. O fascinante é que as revoluções que alargam fronteiras também as reforçam. Tipo: toda vez que algum compositor transforma a sinfonia, por exemplo, ajuda a estabelecer ainda mais o formato básico, essencial, consolidado pelo pessoal de Mannheim.

Em música litúrgica é exatamente igual. Tentem me convencer do contrário, mas para mim qualquer rito é pura forma, válida em si mesma. Por exemplo: uma missa, antes de tudo, é um MODO de manifestar tais e tais conceitos. O mais belo é ver o que cada artista pôde fazer a partir desse molde comum, que nos permite direta comparação.

As obras mencionadas no nosso VOCÊ DECIDE formam uma espécie de panorama histórico da missa de requiem posta em música. Ouça todas e veja quão lindo é perceber a evolução!

A forma é basicamente a seguinte: das partes do “próprio” da missa (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, Benedictus e Agnus Dei), permanecem o Kyrie, o Sanctus, o Benedictus e o Agnus Dei. A elas são acrescentadas partes específicas do rito dos mortos: uma introdução que deseja paz aos mortos (Requiem), uma descrição do juízo final (Dies irae) e mais pedidos de repouso eterno (o Offertorium e o Communio). Há partes adicionais opcionais, mas o núcleo é esse.

O Requiem e o Kyrie normalmente são lentos, suplicantes. Em seguida, o Dies irae, agitado, turbulento. Depois, partes de adoração, com tom mais solene e grandioso (fugas!), como o Offertorium e o núcleo Sanctus+Benedictus. A missa costumeiramente termina em tom mais doce, de agradecimento, no Agnus dei e no Communio. Pense numa sinfonia de quatro movimentos, em arco: lento, muito rápido, rápido, moderado. É (bem) mais ou menos isso ;-)

Foi campeã da nossa enquete talvez a missa dos mortos mais famosa da história: o Requiem de Mozart. A história todo mundo conhece: encomendado em 1791 por um mecenas anônimo (depois descoberto), sua composição foi interrompida pela morte do próprio compositor. A obra foi completada principalmente por um aluno de Mozart, Franz Xaver Süssmayr, que orquestrou os esboços deixados pelo mestre e compôs inteiramente o Sanctus, o Benedictus e o Agnus Dei.

Claro que uma missa dos mortos póstuma, inacabada, alimentou intensamente a imaginação da posteridade. O quanto restou de Mozart e o quanto temos de Süssmayr em cada uma das partes do Requiem é motivo de acalorados debates desde 1791. Além da compleição “oficial”, há dezenas de outras (inclusive uma criada no Brasil por Sigismund Neukomm). Alguns acham o trabalho de Süssmayr indigno de Mozart. Eu conheço alguns dos finais alternativos e, olha, nunca me acrescentaram grande coisa. Fico com a tradição.

Se a primeira metade do Requiem é mais interessante que a segunda? Claro que é! Não culpem Süssmayr: vejam só que baita música Mozart escreveu! O comecinho, o Kyrie, o Dies irae, o Tuba mirum, o Lacrimosa… partes MEGA FODAS, pra lá de emocionantes, difíceis de serem continuadas à altura por qualquer outro compositor que não o próprio Mozart.

Bom, julguem vocês mesmos :) E bom feriado a todos!

Mozart

Quarteto para piano no. 1

Eu iria começar o texto com um “às vezes injustiças são cometidas e reparadas só postumamente”, mas suspirei: “às vezes?”.

O objetivo era introduzir a lamentável historinha de uma das mais impressionantes obras de câmara de Wolfgang Amadeus Mozart, o seu Quarteto para piano e cordas no. 1, em sol menor.

Foi assim: em 1785 um editor chamado Hoffmeister chamou Mozart e pediu a ele três quartetos para piano. Quando recebeu o primeiro, ficou assustado. Obra de execução assim tão difícil não iria vender nada! Pagou o prometido (pelo menos) e dispensou a entrega das demais peças.

“Intãotá”, deve ter pensado Mozart. Xingaria muito no Twitter, se houvesse.

Ouvindo o quarteto hoje, só nos resta lamentar a parvoíce extrema de Hoffmeister. Que anta! Sorte nossa que Mozart deu de ombros e compôs outro quarteto mesmo assim, mais ou menos um ano depois.

Caraca! O Quarteto no. 1 é das obras-primas supremas do compositor. Vejam lá a tonalidade, que não deixa enganar: sol menor. Se Mozart queria expressar a sua famosa angústia/agitação/ansiedade, era em sol menor que o faria, sempre com resultados espetaculares. Ouça o primeiro movimento e saque a seriedade e dramaticidade da expressão. O que é esse desenvolvimento? E a reexposição? PUTZ! Dá licença que vou lá no canto me matar só um pouquinho…!

A obra se encaminha para um andante cuja maravilha só poderia sair mesmo da pena de Mozart. O quarteto, tipicamente para Mozart, é apenas em três movimentos. Termina com um rondó que só – só? – atinge um objetivo: nos lavar a alma de todas as injustiças do universo.

Poucos Mozarts e muitos Hoffmeisters, os males do mundo são.

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Bruckner

Sinfonia no. 8

Quarta-feira é dia de honrarias aqui na nossa querida Ilha. Como vocês sabem, homenageamos obras-primas absolutas da música com o prestigioso SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO. Já falamos de Brahms e de Bartók. Por ora, continuaremos na letra B :) Hoje o selo vai para a Oitava Sinfonia de Anton Bruckner. Preparem-se!

Bruckner é um compositor complicado. Sua música inevitavelmente cai na dicotomia amo/odeio. Estou do lado do amor, é claro ;-) Mas tem muita gente que não consegue engolir bem o estilo bruckneriano.

Tal rejeição tem motivo: Bruckner criou uma linguagem muito pessoal, realmente diferente do padrão. Seu estilo inusitado inclui temática bipolar (temas pontuados, declamatórios, convivendo com outros mais líricos e ainda outros em estilo de “hino”), retórica permanentemente fragmentada (longos parágrafos contrastantes colocados lado-a-lado de maneira abrupta, às vezes com grandes pausas entre eles), forma expandida (obras bem grandes, com muitos temas, um monte de centros tonais, codas, introduções…) e uma orquestração organística, em blocos (muito metal, cordas graves, longos trêmolos) com linguagem harmônica mezzo schubertiana mezzo wagneriana (cromatismo!). É uma combinação maluca e à primeira vista difícil de digerir.

Bruckner, tal como Mahler, dedicou o melhor de si à composição de sinfonias. Compôs nove (mais outras duas não numeradas, curiosamente conhecidas como “00” e “0”). A Oitava, cuja versão definitiva foi completada em 1890, é o ponto culminante dessa produção. Gigante – cerca de 80 minutos -, de expressão trágica, ela, tal qual o GRANDE CARVALHO, se impõe perante todas as outras.

A Oitava começa com um movimento de rara intensidade e concentração para Bruckner. O tema principal, de rítmica semelhante à do motivo de Siegfried (lembram-se do “Anel” de Wagner?), já soa logo de cara, nos lançando sem demora a um mundo de dramaticidade, austeridade e certo patetismo. É avassalador. Após tanta tensão, o movimento termina sem a devida resolução de seus dilemas, num silêncio pessimista. A energia acumulada passa diretamente para o segundo movimento, um scherzo ABSOLUTAMENTE FODÁSTICO, que contém em seu miolo um trio sonhador realmente de outro mundo.

Passada meia hora, já estamos totalmente rendidos pela música. Mas ainda tem muito mais! Os dois próximos movimentos, ainda mais longos, reservam intensa beleza. Ouça o Adagio, longuíssimo e emocionante, com clímaxes construídos da maneira mais simples (são só escalas! caceta!) e efetiva (pegue os lenços!). E o imponente Finale, que começa com o gás todo e só faz crescer em complexidade formal e contrapontística, citando em momentos relevantes os temas dos movimentos anteriores até a conclusão apoteótica.

Pessoas… é ou não é DO GRANDE CARVALHO? \o/

Bruckner merece mais atenção. Você merece mais Bruckner. Go for it!

[Ah, sim! O vídeo abaixo é um registro muito especial de um concerto regido por Herbert von Karajan na catedral de St. Florian, onde Bruckner foi por muito tempo organista e onde estão seus restos mortais. Karajan era expert em Bruckner e mais ainda nesta Oitava. É sensacional!]

Bach

Suíte para violoncelo no. 6

Algumas obras musicais têm o poder especial de parecerem existir desde sempre, como se fossem partes inevitáveis da história humana. Já comentei aqui sobre o “Anel” de Wagner. Hoje vou falar de uma peça tão ou mais universal: a Suíte para violoncelo no. 6 de Bach.

Bom, parece que TODA a produção de Bach emana essa sensação de inevitabilidade! Acho que foi isso que Villa-Lobos quis dizer quando aproximou Bach ao folclore brasileiro, insinuando que havia ali uma relação. Na verdade, Bach tem cheiro de “folclore do mundo”, se me permitirem dar uma de Nestrovski ou de Gianetti da Fonseca. (Bleargh.)

Bullshitagem de lado, o fato é que é impossível não se sentir emocionado e assombrado por obras como as suítes para violoncelo de Bach. O interessante é que essas peças tão sensacionais, compostas no período em que Bach trabalhava para o príncipe de Köthen (década de 1720), foram esquecidas logo após a morte do autor. Alguns músicos as conheciam, como Schumann, que compôs acompanhamentos pianísticos para as suítes. Mas elas só entraram no repertório graças ao esforço do violoncelista espanhol Pablo Casals, nos anos 1920. Tipo… duzentos anos depois!

Hoje elas se tornaram quase “pop” – como as “Variações Goldberg”, as suítes ganham a admiração de gente bastante afastada da música clássica em geral. Já encontrei CDs das suítes e das “Goldberg” em casas de amantes de jazz e pop. Meu lado Nestrovski diria que é o “folclore universal”, yadda yadda, mas na verdade acho que o Bach de câmara, para essas pessoas, soa como música abstrata, tipo um Kandinsky do século 18. O lado dramático, épico, beethoveniano da música clássica é mais alienígena para esse público.

[AMIGO INTERNAUTA: o que você acha? Cartas para a redação!]

Das seis suítes que Bach criou, a minha predileta é mesmo a sexta. Como as demais, ela tem seis movimentos – cinco danças e um prelúdio. O que ela tem de diferente é sua expressão mais grandiosa (talvez fruto da tonalidade escolhida, ré maior), com o prelúdio menos sonhador e mais incisivo da série, repleto de sonoridades “sinfônicas”, por assim dizer.

A gravação que vou mostrar a vocês é de uma instrumentista francesa especializada em execução “historicamente informada”, Ophélie Gaillard. Os ouvintes mais acostumados às interpretações tradicionais de violoncelistas como Rostropovich e Fournier, ou de românticos como Ma e Maisky, vão estranhar. Eu adoro :)

Dukas

Sinfonia em dó maior

Último capítulo de nossa série “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”!

Últimos capítulos sempre são aguardados com ansiedade – afinal todos queremos ver casamentos, redenções e vilões sendo castigados, não é mesmo? ;-)

Nosso último capítulo não é estrelado por Tufão ou por Carminha, mas por Paul Dukas, um super compositor francês que não morreu cedo mas que ficou estigmatizado como compositor de uma obra só: o maravilhoso poema sinfônico “O aprendiz de feiticeiro” (há! esse mesmo, o do Mickey Mouse!).

Não, gente, Dukas compôs outras obras que merecem nossa atenção também. Uma é sem dúvida o balé “La Péri”. E outra é a sua única sinfonia, a Sinfonia em dó maior, de 1895, que fecha não somente nosso ciclo como também o próprio sinfonismo romântico francês.

Lembram-se de Chausson? Se a sinfonia de Chausson é a Sinfonia no. 2 de Franck, a de Dukas é a Sinfonia no. 3. Mas isso não é nenhum demérito! As duas obras são realmente GÊMEAS da sinfonia de Franck, mas têm encantos especiais e características próprias.

OK, a Sinfonia de Dukas cabe no mesmo molde de três movimentos e sua linguagem harmônica é similar à das irmãs – vários temas parecem sair diretamente da Sinfonia de Franck. Mas é fácil notar que a expressão de Dukas é bastante diferente. Enquanto Chausson e Franck são mais extáticos e se doam facilmente à reflexão, Dukas é mais dramático e agitado, com gosto especial por contrastes.

O primeiro movimento, muito vigoroso, demonstra bem a personalidade de Dukas. O segundo é idílico, com diversas passagens de uma profundidade deveras bruckneriana. O terceiro começa com força, direto ao assunto, e lembra por vezes Dvorák ou Wagner. A obra termina de maneira marcante, mas convencional.

Se não é a obra-prima definidora que é a Sinfonia de Franck, ou mesmo a peça adorável de Chausson, a criação de Dukas é interessante, um digno finale para nossa saga sinfônica romântica francesa. A partir de Dukas, o sinfonismo da França tomaria outros rumos – se tornaria moderno, com Roussel e Milhaud. Mas esse é assunto para outra série ;-)

Valeu! Segunda-feira que vem começa outra novela cá nesta Ilha. Ela se passará na Turquia e… não, mentira! :-P

Mignone

“Maracatu de Chico Rei”

Domingo de eleição, domingo de música brasileira cá na Ilha!

Já comentei aqui sobre Francisco Mignone, compositor brasileiro de primeira linha que infelizmente ainda é pouco reconhecido.

A obra mais célebre de Mignone é um balé com coro, “Maracatu de Chico Rei”, de 1933. De linguagem razoavelmente próxima a Falla e Respighi, com um bom tempero stravinskiano (“Petrushka” nunca está muito distante), o balé conta a história de um rei africano que, escravizado no Brasil, consegue alforriar sua tribo, integrante por integrante. A conquista é celebrada numa festa – o “Maracatu” – no qual há boa misturança de ritmos/ritos negros e brancos (até dançam o minueto!).

A parte mais famosa da obra é a “Dança de Chico Rei e da Rainha N’Ginga”, centroavante do trio de ataque do time dos cavalos-de-batalha orquestrais brasileiros. Atente à formação: esta “Dança” de Mignone, o “Mourão” de Guerra-Peixe e o “Batuque” de Lorenzo Fernandez. São obras sempre prontas para qualquer eventualidade – sei lá, vai que alguém precisa de um bis urgente? ;-)

Showcase à parte, o “Maracatu de Chico Rei” é obra muito bonita e importante, que TODOS OS BRASILEIROS DO MEU BRASIL-SIL-SIL deveriam conhecer de cor e salteado, de frente pra trás e de trás pra frente. É assim boa!

E daí vem aquela velha indignação com relação ao tratamento que a música brasileira recebe. Obra tão relevante, o “Maracatu” só tem duas gravações disponíveis. Resta ao ouvinte uma cruel escolha de Sofia: ou a excelência técnica com insensibilidade artística da gravação da OSESP ou a regência sensível com forças orquestrais e corais muito deficientes da versão mineira.

Para hoje, escolhi a versão da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Além da regência de David Machado ser muito mais simpática ao estilo meio moderno meio romântico de Mignone – ela utiliza o texto integral da obra. Por algum motivo desconhecido, Neschling em sua gravação com a OSESP optou por retirar várias partes (principalmente as “europeias” mais ao final). Pena, pois a OSESP soa magnificamente, muito melhor que a contraparte mineira. :-/

Não dá pra ser feliz no Brasil mesmo.

Henze

Concerto para piano no. 2

É sempre estranho quando um compositor contemporâneo consagrado morre. Para nós, ouvintes, tais nomes são eternos. Não deveriam morrer nunca. Mas…

Hoje faleceu o compositor alemão Hans Werner Henze. Filho atípico de sua geração, não seguiu fielmente o trend da época – tinha temperamento muito mais romântico do que matemático – mas foi profundamente moderno a seu modo. Utilizou sim a linguagem serial/pós-tonal típica da segunda metade do século 20, só que com mais viço e frescor do que o usual.

Compôs principalmente para o teatro, e compôs muito: muitas óperas, 10 sinfonias, dezenas de peças concertantes. Preciso confessar que nunca dediquei muito tempo à obra de Henze – tenho que conhecer mais.

Escolhi para mostrar aqui seu Concerto para piano no. 2, de 1967. Bem grande, em quatro movimentos, é um raro exemplo de música serial atraente. O primeiro movimento é atmosférico e lembra Schoenberg, por exemplo. O segundo é diferente: agitado, mil vezes mais interessante em termos de cor e ritmo. O terceiro volta ao clima do início do concerto, só que muito menos estático. O concerto termina complexo, alternando passagens ferozes, caóticas, com trechos bem reflexivos. A obra deixa uma impressão duradoura: séria, substancial, mas não inacessível.

RIP, Henze. A pessoa se vai, mas a música fica.

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Beethoven

Quarteto de cordas no. 11, “Serioso”

Sexta-feira, dia de VOCÊ DECIDE!

Não, hoje não :(

Por motivos de força maior – estou em viagem -, não pude lançar e acompanhar uma enquete nesta sexta. Assim, apelei para um recurso muito útil do Facebook: o post agendado. Na verdade, estou escrevendo isso na noite de quinta, enquanto vocês me lêem na sexta à tarde – são as maravilhas da tecnologia :)

Hoje o VOCÊ DECIDE se transformou em EU JÁ SABIA. Porque é óbvio que, em qualquer enquete que eu fizesse, o vencedor seria Beethoven. Claro! \o/

Por isso me adianto e apresento para vocês um dos quartetos de cordas mais FODAS do véi Ludwig: o Quarteto no. 11, “Serioso”. Curtinho, de expressão hiperconcentrada e agitada, esse quarteto composto em 1810 é símbolo por excelência do Beethoven mais feroz e tempestuoso. Recebido com incompreensão pelos contemporâneos, o “Serioso” é tanto uma obra-prima em si mesma quanto um ensaio incrível para os quartetos que Beethoven comporia no final de vida.

A obra ganhou esse apelido por causa do terceiro movimento, um scherzo duro e escuro, nada leve, com a curiosa marcação de tempo “Allegro assai vivace ma serioso” – alegre, bem vivo, mas sério. Descreve bem o clima da peça toda. BEETHOVEN HAD GUTS, my friends! \m/

OUÇA, OUÇA, OUÇA!

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Falla

Concerto para cravo

Osvaldo Colarusso, em seu blog na Gazeta do Povo, comenta hoje sobre o compositor espanhol Manuel de Falla. Vale a pena dar uma lidinha.

Gosto muito de Falla e conhecia pouco a história da sua vida. O post do Colarusso é revelador. Acho a obra de Falla fascinante, por oferecer, ao mesmo tempo, um “espanholismo” sensorial fervilhante e uma enorme austeridade.

Sua composição que melhor retrata isso é o Concerto para cravo, de 1926. “Concerto” é um nome engraçado para retratar uma peça que na verdade é para cravo e cinco instrumentos (flauta, oboé, clarinete, violino e violoncelo): é música de câmara, mas é também perfeitamente concertante!

A obra chama a atenção pelo uso do cravo – um instrumento associado ao barroco – em pleno século 20. Na época da composição do concerto, isso foi certa moda. Poulenc também compôs uma peça assim, o “Concerto campestre”, poucos anos antes. A inspiração de ambos os compositores foi Wanda Landowska, cravista polonesa responsável por reabilitar o instrumento para as platéias modernas.

Enquanto o concerto de Poulenc é gracioso, meio gaiato, o de Falla é duro e seco, sem no entanto renunciar a momentos de extrema beleza (ouça o segundo movimento! que coisa maravilhosamente original e emocionante!).

Leia o texto do Colarusso. Depois volte aqui e ouça o concerto. É demais de bom! ;-)

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