Mignone

“Festa das igrejas”

Hoje, sexta-feira, vou fazer algo diferente: ao invés do tradicional VOCÊ DECIDE (perdão, AMIGO INTERNAUTA!), vamos comentar o feriado religioso brasileiro. E – coisa rara – não vou linkar o YouTube. Vejamos como me saio :)

Preciso confessar que, quando tento associar o culto à Nossa Senhora da Aparecida a alguma manifestação musical, só me vem à mente música de qualidade muito baixa. Católicos podem me ajudar: seria consequência do Concílio Vaticano II?

MAS…! Há uma exceção, vinda de um compositor brasileiro MUITO BOM, que deveria ser bem mais apreciado: Francisco Mignone. Ele compôs, em 1940, uma suíte sinfônica chamada “Festa das igrejas”, que descreve o ambiente de quatro igrejas brasileiras. A última parte é justamente dedicada a Aparecida.

Percebeu a linhagem evidente? Respighi. A obra é muito habilmente decalcada na forma das suítes sinfônicas de Respighi, principalmente os romanos (“Os pinheiros de Roma” é o mais famoso). Quatro partes, estilo pós-romântico voluptuoso, orquestração cintilante: a receita está toda aí.

O primeiro movimento, chamado “São Francisco da Bahia” começa despojado, dominado pelo órgão, e evolui para música mais agitada. O segundo, “Rosário de Ouro Preto”, é austero, com cheiro modal. Seriam as catacumbas romanas de Respighi transplantadas para Minas Gerais?

O terceiro é o mais bonito. Quase villalobiano, tem o estilo carioca explicado no título “Outerinho da Glória” e é um andante delicado. Só não tem rouxinóis cantando. O quarto, “Nossa Senhora do Brasil”, é adequadamente grandioso, dominado por gigantes escalas, no estilo de soldados romanos marchando pela Via Appia… ops.

Derivativa ou não, a obra de Mignone é muito bela e vale ser ouvida. Ela foi apadrinhada por Arturo Toscanini mas depois foi meio que esquecida. Esta gravação, da OSESP, que alguém colocou no Grooveshark (são as quatro primeiras faixas), é a melhor disponível, apesar da usual pouca delicadeza de seu regente à época. (Há uma gravação mineira artisticamente mais sensível porém tecnicamente bem deficiente.)

Curta a música, que é bem legal, e… bom feriado! \o/

Dvorák

Quinteto para piano no. 2

Na semana passada comentei sobre o Quinteto para piano de Shostakovich. Acho que tenho especial gosto por quintetos para piano :) Hoje o papo é o Quinteto para piano no. 2 de Dvorák, uma obra bem anterior, de 1887.

Quintetos para piano – formados por quarteto de cordas mais piano – são uma especialidade romântica. O século 19 viu nascer uma linda mas curta linhagem de grandes obras-primas, começando pelo quinteto de Schumann, passando pelo de Brahms, este de Dvorák, o de Elgar, o de Shostakovich e o segundo de Martinu.

(Ei, ei, ei! E o Quinteto “A truta”, de Schubert? Bem, ele é um quinteto para piano diferente: o segundo violinista do quarteto de cordas clássico é substituído por um contrabaixista. Devemos considerá-lo um quinteto como o de Schumann e Brahms? AMIGO INTERNAUTA, já sabe: cartas para a redação!)

Dvorák, pelo menos para mim, é sinônimo de melodias de arrepiar os pêlos do dedão do pé. O cabra tinha o dom de criar temas absurdamente lindos a partir dos moldes populares de sua Boêmia natal. E este Quinteto não foge à regra: é um transbordamento de beleza melódica, do início ao fim.

O melhor exemplo disso é o segundo movimento, uma “dumka”. “Dumky” são baladas tradicionais eslavas, típicas por alternarem momentos melancólicos com partes bastante agitadas. Meus amigos, esta “dumka” é feita do mesmo material do que os sonhos são feitos.

Dvorák também é sinal de maravilhoso trabalho harmônico. Escute e tente sacar os acompanhamentos. É inventivo, é bonito, é demais. Merecedor ou não do SELO DE EXCELÊNCIA DO GRANDE CARVALHO expedido pelo governo cá desta Ilha Quadrada? Ouça e julgue você mesmo ;-)

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Nielsen

Concerto para violino

Uma idiossincrasia musical minha é a paixão que SÓ EU tenho pela obra do compositor dinamarquês Carl Nielsen.

OK, #mimimi meu. :) Ele não é um autor assim tão esquecido! Aliás, anda em alta, pelo menos entre os regentes da nova geração. Alan Gilbert, diretor da Filarmônica de Nova York, rege hoje os concertos para violino e flauta de Nielsen, e divulgou ontem um vídeo em que explica o amor que tem por essa música (aqui: http://www.youtube.com/watch?v=LJ3CFTF3thc). Gustavo Dudamel, titular da Filarmônica de Los Angeles, já contou em entrevistas o quanto gosta de Nielsen. Portanto: estou em boa companhia! \o/

Nielsen ficou famoso por suas seis sinfonias. A mais célebre delas provavelmente é a Quarta, de nome curioso – “A inextinguível” – e música pra lá de fodástica. Mas, ahá!, não vou falar dela não! De olho no evento novaiorquino, o papo hoje é sobre o Concerto para violino, obra de 1911, período intermediário da carreira de Nielsen.

Qual é a seleção dos grandes concertos para violino do repertório? Escalação na ponta da língua: Beethoven no gol, Mendelssohn na zaga, Brahms e Tchaikovsky no meio-campo, e Sibelius no ataque. Acho que o concerto de Nielsen conseguiria uma vaguinha fácil no banco de reservas! (Entrando com frequência no lugar do Tchaikovsky no segundo tempo… eu, pelo menos, faria a substituição com gosto!)

Creio que ele não se consolidou tanto no repertório por ser um tantinho longo e ter uma estrutura meio desigual: quatro movimentos dois a dois, com um prelúdio inaugural ABSURDAMENTE MARAVILHOSO e um lindo adagio pareados com partes rápidas menos marcantes. Mas, puxa!, notem que nesses movimentos de – teoricamente – menor interesse, Nielsen colocou duas cadências incríveis para o solista. Acho a primeira, em especial, de botar fogo na roupa e sair correndo!

O estilo de Nielsen é instigante. Lembra Brahms, é relativamente conservador, mas as melodias são inusitadas, as harmonias são mais “secas” e volta e meia aparecem trechos que chamam a atenção por sua ousadia e modernidade.

Escutem, escutem! Dêem uma chance ao nosso amigo Carl. Não ele, mas VOCÊS merecem ;-)

Strauss

“Don Juan”

Manja Strauss? O rei da valsa?

Não! Quero falar hoje de Richard Strauss, o compositor alemão da virada do século 19 para o 20. Esse camarada é dono de um dos estilos mais marcantes da história da música. Você escuta 250 milissegundos de uma obra qualquer dele e já sabe, imediatamente: é Strauss! O cabra tinha personalidade.

Um fato curioso da carreira de Strauss é que ele era um compositor mais interessante, mais ousado e mais original quando jovem. Com o tempo, com sua consolidação como “músico número um da Alemanha” (apud STRAUSS, Richard), sua música vai ficando menos relevante e mais engessada. (Mesmo assim compõe obras lindíssimas como o Concertino para fagote e clarinete, as “Quatro últimas canções” e “Metamorfoses”.)

Meu fascínio straussiano é portanto mais focado em suas obras de juventude, mais ou menos até a ópera “Elektra” (1909). A maioria de sua produção pré-ópera é dedicada ao poema sinfônico, gênero inventado por Liszt uns 60 anos antes. Dá para dizer, sem muito medo de errar, que os poemas sinfônicos de Strauss são os maiores do repertório.

E meu poema sinfônico predileto é este “Don Juan” que apresento hoje. É o segundo de Strauss, de 1888. QUE MÚSICA! “Don Juan” é uma espécie de obra perfeita: cheia de viço e vigor, é uma explosão de inspiração e beleza para todos os lados. Os temas são tão lindos que, ao escutar, dá vontade de cantar junto, berrar de alegria, arrancar os cabelos, sair correndo e… melhor parar :)

E a orquestração? PUQUELOSPARULA! O grande regente Georg Solti dizia, com exagero e tudo, que até uma orquestra muito ruim soa maravilhosamente bem em Strauss. Olha…

Poemas sinfônicos contam uma história e este “Don Juan” narra o mito do Don Juan de acordo com o poema de Nikolaus Lenau. Não é tão difícil de acompanhar: são descritas, em sequência, as diversas amantes de Don Juan e suas personalidades. O tema principal representa o próprio Don. Ele vai se transformando, vai ficando mais fraco, até a derrocada final.

Amigos, É DO GRANDE CARVALHO! Ouçam, ouçam! Uma, duas, três, quatro vezes, até gastar o mouse!

[O vídeo abaixo traz Herbert von Karajan no que ele tinha de melhor. Não me canso de ouvir Karajan regendo “Don Juan”. Este vídeo é curioso pois, se a parte musical é sensacional, sua fotografia envelheceu horrendamente. O que são essas tomadas claustrofóbicas? A orquestra parece uma feira livre! A direção bizarra acaba sendo divertida. É tão ruim que fica bom :)]

d'Indy

“Sinfonia sobre um canto montanhês francês”

UAU! Nossa série “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas” já está no quarto capítulo! \o/

Já comentamos sobre a Sinfonia no. 1 de Gounod, que foi super influente em sua época, gerando pequenos tesouros como a Sinfonia de Bizet. Na semana passada falamos sobre a Sinfonia no. 3 de Saint-Saëns, uns 30 anos mais nova que a obra de Gounod.

Ela também foi extremamente bem-sucedida. Sua estreia parisiense, em janeiro de 1887, gerou uma onda de sinfonismo entre os compositores franceses. Mas o curioso é que, enquanto a sinfonia de Gounod gerou emulação direta, a de Saint-Saëns só despertou o interesse pelo gênero.

Seu principal legado foi a adoção dos procedimentos, principalmente formais, não do próprio Saint-Saëns, mas de Liszt, sua fonte. Todas as obras nascidas nessa onda sinfônica pós-1887 terão essa herança lisztiana em comum. (Quer dizer, as próximas três sinfonias da nossa série terão muito mais que isso em comum: são obras GÊMEAS! Mas é papo para a semana que vem!)

Nesta semana vamos falar de uma sinfonia muito bacana de um compositor praticamente esquecido hoje: a “Sinfonia sobre um canto montanhês francês” de Vincent d’Indy. O nome do autor não nos desperta muita coisa (nem ouse pensar em Indiana Jones!), mas em sua época d’Indy foi um músico bem influente. Fundou a Schola Cantorum, deu aulas no Conservatório, escreveu o famoso “Curso de composição musical” e teve dezenas de alunos, como Honegger, Magnard, Milhaud, Roussel e Satie.

D’Indy começou a compor a sinfonia meio que ao mesmo tempo em que Saint-Saëns escrevia a sua Terceira. Estreou-a, porém, um ano depois, em 1888. Se Saint-Saëns colocou um órgão em sua sinfonia, d’Indy colocou um piano, com papel praticamente solista. O bicho toca o tempo inteiro – é quase um concerto!

[AMIGO INTERNAUTA: seria essa uma sinfonia concertante? Cartas para a redação.]

Apesar de estruturada em três movimentos, a obra de d’Indy compartilha com a de Saint-Saëns a forma cíclica – dessa vez, o motivo dominante é uma melodia folclórica das Cevenas, região montanhosa do sul da França. Todos os temas são variações dessa cançãozinha, que fica mais e mais evidente ao final da obra. O efeito é interessante e dá imensa unidade à sinfonia. Liszt ficaria orgulhoso!

Notem que, estrutura formal à parte, o estilo de d’Indy anuncia mais a música francesa do século 20 do que o estilo conservador de Saint-Saëns. Dá para ouvir algo de Fauré ou Debussy aqui? Ou estou delirando?

Ouçam, comentem, delirem junto comigo! Na semana que vem, preparem-se: daaah dah daaaaah… daaah dah daaaaah… ;-)

[Vocês vão notar que a gravação abaixo, linda, é extraída de um vinil. É que sou fã do Ormandy e da Orquestra da Filadélfia – e Casadesus é um putz pianista – e não pude resistir. Mas não se preocupem: apesar disso, o som é até bom!]

Camargo Guarnieri

Sinfonia no. 3

Brasil-sil-sil!

Enquanto todos estão votando, vamos de música brasileira. Hoje vou falar do maior sinfonista brasileiro, o grande representante do neoclassicismo sinfônico cá destas terras: Camargo Guarnieri.

A obra abaixo é a sua Sinfonia no. 3, de 1952. Três coisas chamam imediatamente a atenção nesta sinfonia: a clareza da forma, a limpidez da orquestração e das harmonias, e os temas. Sim, os temas. Guarnieri costumeiramente usa melodias de perfume modal, em estilo sertanejo-nordestino. É a marca mais nitidamente nacionalista do estilo de Guarnieri. (No movimento lento da sinfonia há inclusive o empréstimo de melodias folclóricas reais, fáceis de serem reconhecidas.)

De resto, ele é um neoclássico de pedigree, a ser confundido com pares como Holmboe ou Harris. Notem que esta Terceira Sinfonia tem os três movimentos clássicos do estilo. Guarnieri apenas acrescenta uma introdução lenta que – uia! – reaparece no final do primeiro movimento, formando um interessante arco.

A música é realmente muito boa! Quem gosta de Bartók ou Stravinsky ou Martinu ou Shostakovich deveria frequentar mais nosso amigo Camargo Guarnieri. Por que o escutamos tão pouco? Reflexo disso está no próprio YouTube: há uma certa escassez de vídeos com sua música. Das poucas gravações disponíveis, destaca-se o ciclo da OSESP para a gravadora sueca BIS, de onde o vídeo abaixo foi tirado.

Boa audição, bom domingo e… bom voto!

Liszt

“Totentanz”

Tirem as crianças da sala! /o\

Hoje vamos falar de três assuntos MUITO FODAS. Preparados?

1. Traduzir nomes de obras é MUITO FODA!

Cá nesta Ilha seguimos um padrão que é o seguinte: nome de obra sempre em português. Não tem sentido eu, em busca de uma pureza linguística, tentar empurrar nomes originais como “Die Entführung aus dem Serail”, “A kékszakállú herceg vára” ou “Příhody lišky Bystroušky”, se é tão mais fácil mencionar “O rapto do serralho”, “O castelo do Barba-Azul” e “A raposinha esperta”.

MAS… às vezes há nomes bastante conhecidos no original, o que levanta a dúvida se, em nome da comunicabilidade, devemos mesmo traduzi-los. Alguns eu tomo a liberdade de traduzir, sim, apesar de seus nomes originais serem mais correntes. Por exemplo: “La mer” e “Jeux” de Debussy, que insisto em chamar de “O mar” e “Jogos”; ou “Central Park in the dark” de Ives, cuja rima eu mato para chamar de “Central Park no escuro”.

OUTRO MAS… em alguns casos isso é impossível. Você iria ao teatro assistir à “Transviada” de Verdi? Ou à sala de concertos ouvir a “Rapsódia em azul” de Gershwin? Nessas horas, capitulo.

2. Liszt foi MUITO FODA!

Se tem um compositor injustiçado pela posteridade é o nosso amigo Franz Liszt. Mas o cara teve uma influência GIGANTESCA na história da música, muito mais do que costumamos lembrar. Ele inventou a forma cíclica, o poema sinfônico, o virtuosismo transcendental, o modelo do intérprete moderno, o padrão do superstar pop, o antibiótico (não, esse foi Alexander Fleming)…

Além de pianista inigualável – a ver na dificuldade de suas obras e a acreditar nos relatos da época -, Liszt foi um criador altamente inventivo. Suas pesquisas em termos de formas, expressão e harmonia estavam bastante à frente do seu tempo. A Sonata em si menor, para piano, é de 1854, e a “Sinfonia Fausto”, que já comentei aqui, é de 1857, para ficar em só dois exemplos. Reflexos dessas obras seriam observados somente em 1880, 1890, 1900…

Foi Liszt, mais do que qualquer outro músico de seu tempo, que inventou a cara da segunda metade do século 19 e da transição para o 20. Sem Liszt, não teríamos Saint-Saëns, Dvorák, Franck, Rimsky-Korsakov, Borodin, Richard Strauss, Mahler, Stravinsky, Bartók…

3. O “Dies irae” é um tema MUITO FODA!

Já comentei sobre esse hino latino do século 13 várias vezes aqui: Sinfonia no. 3 de Saint-Saëns, “Sinfonia fantástica” de Berlioz, a “Sinfonia Metrópolis” de Daugherty, até a Sinfonia no. 103 de Haydn citam o “Dies irae”. E tem muito mais. Dá até para dizer, com exagero e tudo, que Rachmaninoff construiu toda uma carreira baseada nessa melodia…!

O “Dies irae” é um pedacinho da missa de requiem latina. Seu poema retrata o “Dia de ira”, o dia do juízo final da mitologia cristã. Ele ganhou uma melodia, na tradição gregoriana, que nunca deixou da fascinar os compositores, séculos após sua anônima criação. Essa meia-dúzia de notas é praticamente um símbolo musical de morte e misticismo, citado à exaustão, principalmente no romântico século 19, tão afeito a tal temática.

. MISTURO TUDO NO LIQUIDIFICADOR E…

… apresento-lhes “Totentanz”, de Liszt, variações fantásticas para piano e orquestra sobre o “Dies irae” medieval. Tem virtuosismo, tem clima fantasmagórico, tem invenções musicais incríveis e é de arrepiar os cabelos. E não dá pra chamar de outro nome. “Dança da morte”? Não, é “Totentanz” mesmo e acabou.

Ouçam, se esbaldem, porque é MUITO FODA! :)

Beethoven

Concerto tríplice

[Este post foi trazido a você pelo AMIGO INTERNAUTA. Rejoyce!]

[[Aliás, os habitantes desta Ilha gostam mesmo de Beethoven: segundo VOCÊ DECIDE consecutivo no qual ele é escolhido. Muito bom.]]

Beethoven compôs sete concertos: os cinco para piano, o famosíssimo Concerto para violino e este Concerto para piano, violino e violoncelo, dito “Tríplice”. É o patinho feio das peças concertantes do nosso amigo Ludwig.

Ficha clichê: o concerto foi composto em 1803 e faz parte do “período intermediário” da obra de Beethoven (assim como todos os concertos para piano a partir do terceiro, assim como as sinfonias entre 3 e 8). OK, parte obrigatória ultrapassada, ressalto algo que chama a atenção nesta obra: as três partes solistas são bem desiguais. Uia!

O concerto – cuja formação em trio é inusitada para a época – foi criado provavelmente para o aluno e mecenas de Beethoven, o Arquiduque Rodolfo. Ele era pianista, mas ainda jovem, imaturo. E, olha só, a parte de piano é realmente simples. Já a parte de violino e, principalmente, de violoncelo são muito mais complexas, tanto em termos musicais quanto em dificuldade de execução.

A obra não ficou tão célebre quanto suas contemporâneas, muito mais “titânicas” e “épicas” que este concerto. O “Tríplice” é, de fato, um Beethoven que olha um tantinho para o passado (a Sinfonia concertante de Haydn me vem à mente). Mas é música deliciosa que merece ser mais ouvida.

VAI LÁ! É só apertar o play ;-)

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Berwald

Sinfonia no. 3, “Sinfonie singulière”

Não são raros os casos de artistas totalmente esquecidos durante suas vidas e que alcançam certo status “cult” décadas ou mesmo séculos depois.

Apresento-lhes o sueco Franz Berwald. Personalidade curiosíssima, sobreviveu tanto a Schubert quanto a Mendelssohn e Schumann, seus contemporâneos, sem nunca ser plenamente bem-sucedido em viver de sua música. Aliás, várias vezes ele teve de empreender em áreas bem distantes, com sucesso bem maior: ortopedia, fisioterapia, vidraçaria…

Compôs quatro sinfonias, todas com subtítulos em francês. Apenas a Primeira, dita “Sérieuse”, foi executada em sua vida. Nunca ouviu as demais. Quando já estava bem velhinho, obteve o primeiro sucesso: sua ópera “Estrella de Soria” foi montada e bem recebida. O governo sueco reconheceu seus esforços, deu-lhe uma medalha, o indicou para o Conservatório de Estocolmo e… Berwald morreu. :-/

A posteridade foi-lhe muito mais receptiva. No século 20, principalmente, suas inusitadas e originais sinfonias foram redescobertas e enfim executadas, gravadas e aplaudidas. Hoje Berwald é reconhecido como o principal compositor sueco.

Pense em um Mendelssohn cheio de arestas: bizarrices, repetições esquisitas, trechos semi-estáticos, melodias estranhas, harmonias pontiagudas… Esse é o estilo de Berwald. Sua sinfonia mais representativa é a Terceira, a “Singulière”. O mais bacana dessa obra, de 1845, é o “encapsulamento” do scherzo DENTRO do movimento lento. Fora o finale de um vigor realmente impressionante, que chega até a lembrar Brahms ou Bruckner.

Vale conhecer. É divertido pacas. Nosso amigo ortopedista, fisioterapeuta e vidraceiro sabia compor sinfonias interessantes :)

Mussorgsky

“Quadros de uma exposição”

O russo Modest Mussorgsky compôs provavelmente a peça para piano mais original de todos os tempos: “Quadros de uma exposição”, de 1874. O mais curioso é que a maioria absoluta do público está acostumado a ouvir essa obra de outro jeito – através da orquestração que Ravel fez em 1922.

A música é tão boa que parece transcender qualquer meio. Veja só: muita gente sente que a obra precisa do peso e das cores de uma orquestra sinfônica completa, e existem dezenas de orquestrações (a de Ravel, mais famosa, e as de Ashkenazy, Stokowski, Naumoff, a recentíssima de Peter Breiner etc), só que muita gente também acha que ela fica bacana em outras formas, como banda de rock (a infame/famosa versão de Emerson, Lake and Palmer), violão, órgão, trio de jazz, sopros, grupo de percussão… até versões alternativas para piano existem (a mais famosa é a de Horowitz)!

Um dia mostro algumas dessas transcrições. Dá para passar uma vida inteira só ouvindo versões dos “Quadros”! :) Hoje vamos falar da obra como imaginada por Mussorgsky.

A estrutura da peça é muito bem bolada. Pense em alguém em uma galeria de arte. A obra começa com esse visitante andando na galeria, antes de ver o que está lá exposto: é a “Promenade”, que simboliza o estado de espírito do expectador. Esse “passeio” será repetido cinco vezes durante a peça, entre um quadro e outro. Mas nunca é igual: quem vê os quadros se transforma, é emocionalmente afetado pela arte.

A exposição em si é composta de onze quadros, todos do pintor Viktor Hartmann, amigo de Mussorgsky, recém-falecido à época da composição da obra. Os temas são variados: esboços de figurinos de teatro, projeto de relógio-cuco, esboço arquitetônico, quadros característicos. Em comum entre eles, o clima meio fantasmagórico, meio fantástico, magistralmente capturado por Mussorgsky.

Meu quadro favorito é o quarto, “Bydlo”, que mostra um carro de boi polonês. É uma espécie de marcha arrastada que não para de crescer em intensidade, de uma tremenda força emocional. A peça termina com o famoso e majestoso “Grande portal de Kiev”, uma espécie de homenagem geral à obra e à memória de Hartmann.

No final, nós, ouvintes, nos sentimos como o visitante dessa galeria fantástica: extasiados e transformados pela experiência. Não à toa essa obra tem alimentado a imaginação de tanta gente por tanto tempo.

CURTA! Fiz questão de achar um vídeo em boas condições técnicas, de som e imagem, para vocês aproveitarem melhor a obra. Mas isso é só o começo. Ainda falaremos mais dos “Quadros”, com espaço para outras interpretações e versões! \o/

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