Mahler

Sinfonia no. 8, “Sinfonia dos mil”

1000 HABITANTES! \o/

Esta Ilha, menos de dois meses depois de sua entrada no Facebook, atingiu a marca de MIL seguidores. Estou muito feliz! OBRIGADÃO!

Para comemorar, um post especial com a maior sinfonia de Gustav Mahler, a Oitava. Além de ser a minha obra de Mahler favorita, ela, por conta dos enormes efetivos corais e orquestrais que exige, é conhecida como “Sinfonia dos mil”. Hein? Hein? Sacaram? ;-)

Vamos contar: grande orquestra sinfônica, com madeiras aumentadas (com piccolos, clarones, contrafagotes), muitos metais (com uma seção de trompetes extra), vasta percussão (incluindo sinos e glockenspiel), harpas, celesta, piano, harmônio, bandolins e órgão. Dois coros mistos. Um coro infantil. Oito solistas vocais. Hmm, soma aqui, põe ali, noves fora… pronto: mil pessoas. Conta digna do Túlio Maravilha :-D

Exatidão matemática à parte, a obra ficou célebre pela monumentalidade de execução. Sua estreia, em 1910, foi um grande acontecimento. Foram à Munique ouvintes e músicos de toda a parte da Europa. Quando a obra de 85 minutos acabou, a plateia aplaudiu loucamente por quase meia hora – o maior triunfo que Mahler, como compositor, já tinha experimentado. Morreu alguns meses depois.

É surpreendente saber que uma obra de tamanha envergadura foi composta muito rapidamente, em poucos meses. E não nos referimos somente ao tamanho da orquestra ou à duração da obra. Seu background filosófico e artístico também é imenso. A sinfonia, ao invés de adotar a forma tradicional em quatro movimentos, é dividida em duas partes. A primeira, é o hino latino “Veni creator spiritus”. A segunda, uma verdadeira cantata, é a cena final do Segundo Fausto, de Goethe. Tira o fôlego só de pensar.

[PERGUNTA AO AMIGO INTERNAUTA: a Oitava de Mahler é mesmo uma sinfonia? Ou seria uma super-hiper-mega-cantata? Cartas para a redação.]

O que une coisas aparentemente tão díspares? Para Mahler, a mensagem básica dos dois textos: a redenção da humanidade através do amor. E isso se reflete musicalmente. O que teria toda a chance de resultar disconexo tornou-se uma das obras mais coerentes do compositor. Todas as suas longuíssimas partes compartilham temas e motivos essenciais. Em nenhum momento o ouvinte pensa que está ouvindo outra música, em nenhum momento a forma se torna frouxa – isso apesar da grande diversidade de emoções.

A Oitava de Mahler é um verdadeiro milagre artístico, humano e musical. OBRA ESSENCIAL: escute, se possível de joelhos, e depois me diga se é ou não é um assombro :)

O vídeo, como de costume aqui na Ilha, traz Leonard Bernstein e um batalhão imenso de gente, em Viena. É sensacional!

Janácek

Sonata para piano, “1.X.1905”

Uma das conquistas mais importantes da atualidade é a possibilidade de protestar. Parece trivial, mas não é: reunir-se e ir às ruas reivindicar algo é direito recente. Antes, na época das aristocracias ou das ditaduras, quem protestava era tratado à bala ou à baioneta.

Foi num protesto em 1º de outubro de 1905 que um operário, que estava na multidão que reivindicava a criação de uma universidade tcheca em Brno, Morávia, foi assassinado por policiais. Lembremos que a região da atual República Tcheca era então parte do Império Austro-Húngaro, e que o nacionalismo tcheco era combatido pelo poder central.

O compositor Léos Janácek, que morava em Brno, ficou chocado pela brutalidade da repressão e compôs uma sonata para piano para homenagear o operário morto. Chamada de Sonata “1.X.1905”, a obra teve gênese complicada. Após a estreia, Janácek não gostou do último movimento dos três movimentos da sonata e o eliminou. Depois, renegou a obra toda, que só seria publicada 18 anos depois, em versão definitiva de somente dois movimentos.

As duas partes da sonata são entituladas “Pressentimento” e “Morte” e representam muito bem o estilo picotado, anguloso, de Janácek, um dos autores mais originais do século 20. A obra, principalmente em seu maravilhoso primeiro movimento, transpira revolta e emoção pelo acontecimento. É uma das criações mais conhecidas do compositor tcheco e um dos melhores exemplos de manifestação política em música.

Gounod

Sinfonia no. 1

Alô, comunidade!

Esta e as próximas segundas-feiras serão dedicadas a uma nova série aqui da Ilha. Atenção para o nome pomposo: “História e glória da sinfonia romântica francesa, de Gounod a Dukas (ou) O incrível caso das sinfonias gêmeas”. Unidos da Ilha Quadrada… 10! \o/

Acho a evolução da música sinfônica francesa pós-Berlioz muito curiosa. O romantismo francês nunca foi muito afeito à forma sinfônica, por dois motivos. O primeiro: o destaque realmente grande dado à ópera. Na Paris do século 19, tudo acontecia no teatro. O segundo: a sinfonia era um gênero alemão e conservador por excelência. Nada mais anti-convencionais do que as realizações de Berlioz no gênero – da “Sinfonia fantástica” à Sinfonia “Romeu e Julieta”, passando por “Haroldo na Itália” e pela “Sinfonia fúnebre e triunfal”, tudo de Berlioz explode com a herança beethoveniana.

A obra que inicia nosso panorama – a Sinfonia no. 1 de Charles Gounod, composta em 1855, tem um background totalmente diferente de Berlioz. Sem saber, Gounod promove aqui um “What if” musical: o que aconteceria se Beethoven tivesse realmente se matado em Heilingenstadt? Se não tivesse escrito nem a “Eroica”? É muito engraçado: 53 anos após a composição da Segunda de Beethoven, Gounod escreve uma sinfonia no mesmo espírito, como se tivesse se passado, digamos, alguns meses.

Obviamente o resultado é divertido, gostoso de ouvir e esquisitamente anacrônico. Lembra Beethoven, lembra Mendelssohn, lembra Schubert, guarda algumas surpresas schumannianas, enfim: lembra qualquer coisa menos uma sinfonia francesa de 1855. Ou o Gounod do “Fausto”, ou da “Missa solene de Santa Cecília”.

O mais esquisito é que existiu um legado da Primeira de Gounod: ela foi uma obra influente em seu tempo. Mas isso é um papo para a próxima segunda-feira. Curta a audição… e até mais :)

Beethoven

Sinfonia no. 9, “Coral”

Quando eu era criança, criou-se em casa um hábito curioso: ouvir aos domingos a Nona Sinfonia de Beethoven. Em parte causada pela escassez de CDs em casa – isso foi no final dos anos 80, tínhamos menos de dez discos -, a mania foi mantida por algum tempo. Até hoje, muuuuuitos anos depois, ainda associo um pouco o domingo à Nona de Beethoven. Aproveitarei a oportunidade ;-)

A Nona é tão célebre que é até difícil fazer algum comentário que não seja redundante. Além dos fatos inéditos de incorporar um enorme finale coral a uma sinfonia e de trazer uma claríssima mensagem política e humanista (representada pela “Ode à alegria” de Schiller) a um gênero a princípio bastante abstrato, Beethoven opera nesta obra diversas outras revoluções.

A primeira está na própria sonoridade orquestral. É muito fácil perceber o quanto a Nona soa diferente das demais sinfonias beethovenianas. Isso se explica pela própria posição cronológica da obra, composta em 1824, próxima dos últimos quartetos e da “Missa solene”. É música da derradeira fase criativa de Beethoven – nos dizeres do próprio compositor, feita para o futuro, não para o presente.

A segunda está na criação de um modelo de introdução lenta misteriosa. Compare com as introduções lentas clássicas de Haydn ou do próprio Beethoven (Primeira, Segunda, Quarta e Sétima Sinfonias). A da Nona é totalmente diferente: curta, quase direta ao assunto, ela já traz os principais motivos do movimento, em sua forma definitiva, mas ainda envolvidos em uma espécie de “névoa” de incerteza. A impressão que isso causou foi imensa. Não é difícil lembrar compositores que amplamente se utilizaram desse recurso, de Bruckner a Sibelius.

A terceira e, talvez mais importante, está no recurso de citar os temas dos três movimentos anteriores no finale. Esse recitativo, que antecede a parte coral propriamente dita, é genial ao criar a antítese “isso é o que é” (movimentos anteriores) e “isso é o que queremos que seja” (finale coral, a “Ode à alegria”) apenas citando motivos já ouvidos e os rejeitando veementemente. Também não é difícil citar dezenas de autores que usaram e abusaram do recurso cíclico (Liszt, Bruckner, Dvorák e Franck entre eles).

Tudo isso, mais as enormes potência, beleza e profundidade da música, fazem da Nona Sinfonia de Beethoven uma das obras de arte mais importantes e influentes de todos os tempos. AUDIÇÃO OBRIGATÓRIA não só pra quem se interessa por música clássica, mas para TODOS OS SERES HUMANOS. Grato. :)

[O vídeo abaixo, ESPETACULAR, traz a Nona regida por Leonard Bernstein em Viena. Não preciso falar mais nada. Cada chance de ver Lenny reger é preciosa!]

Brahms

Quarteto para piano no. 3

AH, BRAHMS!

Eu não escrevi isso aqui ainda, mas nunca é tarde demais: da mesma maneira que considero Beethoven o maior músico de todos os tempos, o meu favorito pessoal é Johannes Brahms.

Isso vem de muito tempo. Foi quando tive o primeiro contato com a música de Brahms. Eu tinha 11 anos. Achei música muito difícil mas estranhamente atraente. Fui tentando mais. Foi quando, um dia, Brahms me acertou em cheio. Daí percebi o quanto aquela música ressoava em mim e não a larguei mais. :)

Desde então conheci MUITOS outros autores que passei a adorar também. Putz, dezenas. Mas minha predileção por Brahms sempre permaneceu, firme e forte. Creio que tem a ver com o incrível equilíbrio da produção brahmsiana: formas clássicas, perfeitas, abrigando uma expressão de EXTREMA INTENSIDADE EMOCIONAL. Não, não é bolinho não! A música de Brahms esconde, por trás daquela cara severa de profeta, um enorme núcleo de lava emocional. Brahms é WHITE HOT, meus amigos!

Para exemplificar, apresento a vocês uma das obras mais turbulentas e emocionantes de Brahms: o Quarteto para piano e cordas no. 3, composto em 1875. O grande drama interior de um homem apaixonado é sentido em cada nota desse quarteto, desde o trágico primeiro movimento, passando pelo agitado e intenso scherzo, até o elegíaco movimento lento (alô, ouvinte: cuidado com as lágrimas!) e o finale que resolve (parcialmente?) as questões e tensões acumuladas.

No final da audição, a gente sai com a alma lavada e com a certeza de que grandes emoções não excluem grande arte – expressividade pode conviver com esmero e bom gosto, em criações feitas para durar. Brahms é a prova disso.

Primeiro post de muitos: ainda falaremos bastante do querido BARBA aqui nesta Ilha \o/

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Schnittke

Concerto grosso no. 2

Etapa final de nosso especial dos Anos 80. Agora vamos pular do sério Adams para o cômico e galhofento Schnittke.

Hein? Schnittke cômico? Pois é. Já apresentamos nesta Ilha o seu Concerto grosso no. 1, obra bastante pesada, repleta de fantasmas psicológicos. Nada cômico.

Mas hoje vamos mostrar o poliestilismo de Alfred Schnittke em seu modo mais extrovertido: o seu Concerto grosso no. 2. Composto em 1982 para o casal de músicos Oleg Kagan (violino) e Natalie Gutman (violoncelo), este segundo concerto se apropria do que há de mais maluco e nonsense do primeiro, sem o lado sombrio e profundo que o caracterizava.

A obra é para violino e violoncelo solistas, acompanhados por uma orquestra bem maior do Concerto no. 1, incluindo até mesmo guitarra elétrica e bateria. O motivo básico da peça é a canção “Noite feliz”, que é introduzida pelos solistas logo no início. Depois ela é confrontada e distorcida por livres citações de Bach, Handel, rock, bandas marciais e todo tipo de maluquice que você imaginar. Não, não, não é uma coisa em seguida da outra. É TUDO AO MESMO TEMPO.

O Concerto grosso no. 2 é o ponto culminante do poliestilismo. OK, podemos pensar na Primeira Sinfonia de Schnittke, bem anterior (1974), como o ápice dessa técnica de colagem. Mas colagem é poliestilismo? O que Schnittke opera aqui neste concerto, a justaposição de música moderna, atonalismo, rock, kitsch e música barroca, tudo ao mesmo tempo massacrando a pobre “Noite feliz”, é algo muito além da nossa pobre imaginação :)

Vista seu All Star, amarre a faixa no cabelo, acomode a pochete na cintura e entre de corpo e alma nessa doideira. Você não vai se arrepender.

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Adams

“Harmonielehre”

Segundo e último dia do especial Nostalgia dos Anos 80 aqui na Ilha :)

Hoje começaremos a programação com uma das mais importantes obras do chamado pós-minimalismo: “Harmonielehre”, do compositor americano John Adams, de 1985. Inicialmente ligado ao minimalismo de Riley, Reich e Glass, Adams foi aos poucos descolando sua obra do estilo repetitivo. “Harmonielehre” tem importante papel nessa transição.

A gênese dessa peça é curiosa. Adams já era conhecido por obras como “Shaker Loops” e “Grand Pianola Music”, quando, entre 1984 e 1985, sofreu uma crise criativa. Não conseguia compor nada. Certo dia, teve um sonho esquisito: nele, assistia a um navio petroleiro emergir da Baía de São Francisco e disparar como um foguete. O sonho o estimulou a escrever o primeiro movimento dessa obra, que se inicia com grandes acordes martelados que misturam o estilo minimalista com um “gesto” bem romântico.

E, de fato, durante a peça, a repetição típica vai se diluindo em texturas que lembram a música não-serial pós-Darmstadt (Lutoslawski ou Rautavaara, por exemplo) e finalmente em uma expressividade pós-romântica (Mahler, Sibelius). Adams, aí, se liberta de sua crise pessoal e criativa. O terceiro e último movimento, também ligado a um sonho, termina esse processo de “cura” artística, com o retorno do padrão repetitivo do início.

E o nome? “Harmonielehre” em alemão significa “Estudo de harmonia” e é o nome de vários livros – notadamente o tratado de Arnold Schoenberg ;-)

A obra, para grande orquestra sinfônica, é possivelmente a mais famosa peça de concerto de Adams (que se celebrizou ainda mais com sua ópera “Nixon na China”) e uma das mais relevantes das últimas décadas. O jeito livre da música contemporânea – sem escolas, sem partidos estilísticos -, que o próprio Adams chama de “pós-estilo”, tem muito a ver com esse movimento de libertação de “Harmonielehre”.

Aperte os cintos! (Vídeo em três partes, atenção. A gravação é clássica: Edo de Waart em São Francisco. Adams é o “compositor residente” da Sinfônica de São Francisco. O vídeo ilustra a música com quadros de pintores abstratos como Newman e Rothko.)

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Lutoslawski

Sinfonia no. 3

Continuamos no nosso especial dedicado aos anos 1980. Vamos dar uma escapada do plástico e do neon que simbolizam o lado colorido da época, e rumar a algo mais sombrio: a Guerra Fria.

Na primeira metade dos anos 80, a Guerra Fria dominava as preocupações cotidianas. Seja nos países envolvidos nas “guerras por procuração” (Guerra do Líbano, invasão soviética no Afeganistão), nos países atrás da Cortina de Ferro (Alemanha Oriental e Leste Europeu em geral), nos países latino-americanos sob ditadura militar (Brasil entre eles!) e nos próprios países envolvidos, EUA e URSS, constantemente assombrados pela “destruição mútua assegurada” do cataclisma nuclear.

É, não eram tempos fáceis. Nunca houve tempos fáceis.

A Sinfonia no. 3 do compositor polonês Witold Lutoslawski, finalizada em 1983, pertence a esse mundo. Seu país era um dos satélites da União Soviética e o período pós-Primavera de Praga (1968) viu uma brutalização crescente do regime comunista polonês. Em 1980 foi criado o movimento sindical Solidariedade, de oposição, e o governo impôs Lei Marcial. Nesse contexto, Lutoslawski, francamente contra o regime, recusou-se a trabalhar na Polônia. A Sinfonia no. 3 foi estreada mesmo em Chicago, sob a regência de Georg Solti.

A sinfonia é filha da Guerra Fria mas Lutoslawski já era um compositor veterano à época. Seus anos de formação foram a Segunda Guerra, fortemente influenciados pelo nacionalismo de autores como Bartók e Szymanowski. Depois, Lutoslawski criou uma espécie de via alternativa à vanguarda serial alemã, criando um som único, moderno (aleatoriedade, por exemplo) mas, ao mesmo tempo, profundamente ligado à tradição.

Isso é fácil de perceber pelo “gesto” básico da sinfonia: um motivo de força, de luta, nada distante de um Beethoven, por exemplo. E também pelo final redentor. A Terceira de Lutoslawski não é somente a obra-prima do compositor mas também uma das peças mais importantes da segunda metade do século 20. Quem disse que os anos 80 foram a década perdida? ;-)

[Gravação abaixo regida pelo próprio compositor!]

Glass

Concerto para violino (no. 1)

Ah, anos 80! Época do Atari, dos Goonies, das luzes de neon, das roupas de plástico, de Ferris Bueller, do Falcon, do Dip’n’Lik e do Lanchinho Mirabel!

Hoje esta Ilha começa uma programação especial dedicada à nostalgia dos anos 1980, com QUATRO posts. Uau! \o/

O que aconteceu na música dos anos 80? Madonna e Michael Jackson? Também ;-) Vamos começar nosso panorama musical oitentista com uma das melhores obras do compositor mais emblemático e polêmico da época, o americano Philip Glass. Acho que ele é o músico de concerto que simboliza melhor esses anos tão plastiquentos, barulhentos e coloridos.

Seu Concerto para violino, obra de 1987, representa a entrada de Glass em uma nova fase. Antes totalmente dedicado ao teatro (difícil desassociar seu nome das óperas “Einstein na praia”, “Satyagraha” e “Akhnaten”), a partir deste concerto Glass se dedica cada vez mais à música sinfônica (“Itaipu”, “A luz”, as duas primeiras sinfonias).

A desgraça é que quanto mais Glass tenta a forma tradicional, mais rala e óbvia vai ficando sua música. O criador realmente original, viçoso, que inventou no teatro uma linguagem nos anos 70 e 80, se transformou na sala de concertos em um emulador e repetidor de clichês nos anos 90 e 2000. Lástima.

(Aliás, o Concerto para violino acabou sendo renomeado para Concerto para violino no. 1, pois Glass compôs outro concerto em 2009. Chamado “As quatro estações americanas”, o Concerto no. 2 é verdadeiramente lamentável.)

Mas o Concerto para violino – o original, o no. 1 – ainda é música interessante. Creio que seja a melhor tentativa de Glass de usar a linguagem minimalista em uma forma super tradicional como o concerto. Ele explora as características do concerto para violino romântico – pense em Beethoven, Mendelssohn, Brahms, Sibelius – dentro do estilo minimalista que o consagrou. O resultado chama a atenção – tanto que a primeira gravação da obra foi feita por ninguém menos que Gidon Kremer.

A gravação abaixo, possivelmente até melhor que a de Kremer, é do violinista americano Robert McDuffie. Coloque a fita cassete em seu Walkman, aperte o play e… CURTA!

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Beethoven

Quarteto de cordas no. 14

Já falamos de Beethoven aqui na Ilha?

NÃO?

Puxa vida. Creio mesmo que, como diz a escritora francesa Brigitte Massin, apesar de existir muita gente com afinidades bachianas ou wagnerianas ou mozartianas, o compositor que fala mais plenamente para o ser humano enquanto coletivo – a Humanidade com agá maiúsculo – é Beethoven.

Por isso não tenho muito receio de afirmar: Beethoven foi o maior músico de todos os tempos, o que melhor representa os anseios e as necessidades do homem pós-Revolução Francesa (nós, portanto). Democracia, humanismo, liberdade de pensamento, igualdade, justiça. O porta-voz musical da modernidade mental, por excelência, é Beethoven.

Escolher uma obra de Beethoven é tarefa das mais ingratas. Ainda vou mostrar MUITO Beethoven cá nesta Ilha. Mas vou começar por uma das peças beethovenianas que mais me assombram: o Quarteto de cordas no. 14, op. 131. Escrito em 1826, no final da vida do compositor (por isso é classificado como um dos “quartetos tardios”), é uma de suas obras mais cerebrais, revolucionárias, complexas, emocionantes e FODAS do autor. Uma festa para o cérebro e para o coração. Pegue os lenços e me acompanhe.

Este quarteto não é estruturado do jeito clássico. Ele tem SETE movimentos, todos encadeados (tocados sem interrupção), sendo o primeiro uma enorme fuga, o segundo uma forma-sonata compacta, o terceiro um recitativo que serve de introdução ao quarto movimento, um gigantesco conjunto de tema e variações. O quinto é uma espécie de scherzo contrastante com o maravilhoso sexto movimento, lenta e tocante introdução ao vigoroso e até violento finale. Fim, muitas emoções e esperança renovada na Humanidade – sim, apesar de tudo, a aventura humana está valendo a pena.

Em 40 minutos, todo tipo de música e de sentimento. Não adianta. Esse tipo de experiência só a música clássica pode trazer a você.

Abaixo, um vídeo que dá uma noção formal do quarteto, através de um interessante gráfico colorido. A interpretação, famosa, é do Quarteto Lindsay. (Na verdade, não é das minhas favoritas, mas a análise gráfica compensa.) Respire fundo e APROVEITE!