Uma das minhas maiores motivações para manter esta Ilha é ter o prazer de apresentar música diferente. Vocês já repararam que esta é a série “oculta” das nossas sextas, né? :)
Por isso fico MEGA FELIZ de ter a chance de falar aqui do polonês Witold Lutoslawski, um dos caras mais fodas da segunda metade do século 20!
Até 1945 vivemos uma era de ouro musical, repleta de autores e estilos diferentes e cativantes – é mesmo meu período favorito. Mas depois da Segunda Guerra o cenário político fez os compositores optarem por uma busca radical de uma nova linguagem. As experiências do pessoal de Viena – Schoenberg, Webern et al – foram adotadas universalmente como padrão de música livre de qualquer viés ideológico ou de mercado.
Lutoslawski, que é de 1913, percorreu mais ou menos esse caminho, mas achou uma linguagem mais pessoal. Começou como um autor nacionalista, muito próximo a Bartók. Nos anos 1950 virou para o experimentalismo. A diferença é que ele descobriu, nas Bienais de Música de Veneza, o recurso da aleatoriedade, e começou a usar conscientemente o aleatório como elemento formativo de sua música.
Música aleatória é um assunto meio polêmico porque o nome nos leva a imaginar as experiências de Nancarrow recortando rolos de piano mecânico, ou de Cage compondo através do I-Ching. Não é isso. Lutoslawski enveredou pela “aleatoriedade controlada”, em que o compositor fornece ao intérprete um ponto de partida definido para a improvisação (algumas notas, um padrão rítmico, um acorde). A música resultante é, sim, nova a cada execução, mas sempre reconhecível e coerente.
Provavelmente o que fascinava Lutoslawski era a capacidade que longos trechos semi-improvisados têm de de gerar de texturas e harmonias novas. Graças a esse recurso ele conseguiu fugir da secura saariana do serialismo integral, tão em voga em sua época. Acrescente a essa receita uma personalidade artística um tanto romântica (Lutoslawski acreditava na “grande narração”, em detrimento do lirismo pontilhista weberniano) e chegamos a uma produção que é ao mesmo tempo novíssima, surpreendente e acessível.
Talvez minha peça favorita de Lutoslawski seja este “Livro para orquestra”, composto em 1968. Por que a obra tem esse nome? Lutoslawski imaginava escrever um conjunto de peças soltas, no espírito de uma coletânea barroca – por isso o termo “livro”. Mas seu gosto pela narrativa o levou a montar uma obra em um fôlego contínuo, em que quatro “capítulos” se encadeiam sem interrupção.
PARA PARA PARA! Sem interrupção, vírgula! Entre as quatro grandes partes, Lutoslawski colocou pequenos trechos à guisa de interlúdios. E o mais legal, optou por fazer as seções de ligação aleatórias, ou “controladamente” aleatórias. Fica mais ou menos assim: trechos “narrativos” alternam-se com seções de forma muito livre.
O efeito é incrível e, ao contrário do que parece, reforça o arco geral da obra, que flui suavemente do início ao fim. A música de Lutoslawski é cativante, repleta de texturas e efeitos instrumentais modernos (glissandos, fanfarras quebradas nos metais, pancadas na percussão, cordas dissonantes) aliados a um sentido infalível de tema e melodia (sim!).
Gente, é o seguinte: para tudo aí, pega o fone de ouvido, fecha o olho e embarca no “Livro para orquestra”. É diferente de tudo o que você imagina. Vai, confia em mim! :)